II
Então ouviram-se uns gemidos vindos de fora e Simão Pedro viu uma sombra projectada na parede pintada de branco, à sua frente. A janela abriu-se com um clic e alguém caiu para dentro da casa de banho. O rapaz virou-se na banheira de sobrolho franzido, mas riu ao ver quem era e acolheu aquele visitante inesperado, dizendo:
- Bem que podias entrar pela porta, como toda a gente.
- Prefiro uma entrada mais dramática.
Foi aquela a resposta que Mário Flores dera a Simão Pedro Sousa. Mário era deveras uma personagem castiça, uma figura um tnto quanto desconchavada, de feições agradáveis mas engraçadas. O seu corpo franzino levantava-se do chão ficando com o pé preso nas calças de Simão Pedro, o qual se apressou a sair do banho e a envolver-se numa toalha.
- Sinceramente, Mário, não entendo a lógica de vires por esta janela.
- A sebe é mais forte deste lado.
- E tu adoras trepar pela sebe!
- Por acaso não é mau de todo. As mãos depois ressentem-se mas isso pouco me importa.
Dizendo isto, coçou as sobrancelhas grossas e esboçou um sorriso confuso.
Simão Pedro encolheu os ombros e, afastando as botas da porta para a poder abrir, rodou a chave na fechadura e saiu despachado, arrastando os pés molhados pela carpete do corredor. O cabelo pingava-lhe para os ombros, sendo a água absorvida pela toalha.
A última porta à direita era o seu quarto. Ao lado deste situava-se o de Isabel e a frente do dela o de David. Ao fundo do corredor, na extremidade esquerda, era o velho quarto de hóspedes - onde Alexandre Kerenkov iria ficar - e na extremidade oposta uma pequena saleta antiga para a qual Isabel ia tocar piano ou ler nos dias mais frios de Inverno ou onde se juntavam para jogar uma partida de cartas quando a esposa do dono da quinta mais próxima, a Sra. Fernandes, passava por lá para entregar ovos ou um pote de mel. O quarto de Simão Pedro era virado para o mar que, não muito longe, se espraiava no horizonte. As paredes pintadas de um amarelo pálido, tomavam um tom meio durado com a luz de fim de tarde que entrava pela janela. Não era um quarto excepcionalmente grande mas servia as necessidades do rapaz.
Simão Pedro atirou a toalha para cima da cama e vestiu alguma coisa tirada ao acaso do armário - uma camisa escura e umas calças pretas de ganga. Calçou as sapatilhas e, sacudindo a água do cabelo que nem um cão, passou-lhe a mão numa tentativa de lhe conceder um pouco de ordem.
Mário deixara-se estar fora da porta, trauteando uma qualquer canção que lhe viera à cabeça. Então, perguntou:
- Demoras?
- Não.
Pouco depois, Simão Pedro saiu do quarto com um sorriso nos lábios.
- Vamos descer. A Bela já deve ter começado a fazer o jantar.
Ao descerem o corredor, repararam que a porta da casa de banho tinha sido de novo fechada e não só as botas mas também o resto da roupa suja de Simão Pedro se encontravam encostadas à parede, do lado de fora.
Era Alexandre quem ocupava a casa de banho Não se ouvia muito ruído, apenas o chapinhar da água e a respiração pesada do hóspede.
Até a um próximo post,
Joana F.