David sentou-se contra a parede do quarto vazio em dores excruciantes. O suor caía no soalho escurecido em gotas compridas que se deitavam na madeira delicadamente. O papel de parede azul às listas finas trazia a memória de lágrimas derramadas. A chuva caía feroz, na vidraça, desfocando o céu coberto de nuvens cinzentas disformes rasgadas por relâmpagos. David sentou-se na penumbra de um canto, afogando-se na solidão da sua dor. Fechava os olhos para as lágrimas não caírem e cerrava os lábios para calar os gritos.
A tempestade furiosa levava a fraqueza do mundo com ela, diluída na chuva, misturada com o vento, embutida nos trovões.
O pequeno estábulo estremecia timidamente, abrigando os cavalos, Isabel e Simão Pedro. Ela sentava-se num monte de feno agarrando as pernas contra o queixo. Ele, encostando ao compartimento de Viriato, brincava com a navalha.
- Que se passa? - perguntou ele.
A rapariga não respondeu, sentava-se ali quieta e muda, de olhos baços e lábios descaídos. Simão não insistiu, sabia que a seu tempo ela responderia.
- Estou preocupada com o meu irmão.
O jovem olhou-a, sério, os olhos azuis como mar revolvendo-se em ondas iradas.
- O David não merece preocupação.
Ela fitou-lhe os olhos infinitos, como que incrédula.
- Isso é mentira, Simão.
- Não é. Tu sabes, Bela, tu sabes.
- Eu sei? Será que sei? Nunca me disseste o porquê deste ódio um pelo outro!
Ele virou-se de costas para não a enfrentar.
- Não é da tua conta.
- A mim parece-me que é.
- Parece-te mal.
Dente de Leão observava-os de olhos suplicantes e esfomeados. Viriato deitava-se, apenas conseguindo ver o topo da cabeça de Simão Pedro, coberta pelo cabelo claro.
Isabel encostou-se ao feno, fazendo o cabelo castanho selvagem espalhar-se na palha fofa e quente. O rapaz olhou-a por cima do ombro, meio embaraçado, dizendo:
- Desculpa, sabes que me irrito facilmente.
Ela revirou os olhos e suspirou demorada e profundamente, como se dissesse: «Tudo bem, já não é a primeira vez!». No entanto nada disse, limitou-se a esticar as pernas e aconchegar a cabeça nas mãos.
Viriato relinchou, indignado. Simão abriu a comporta e deitou-se ao lado do animal, afagando-lje a barriga com carinho. Este expirou sonoramente.
Seguiu-se um último trovão e a chuva começou a acalmar, restando apenas uns choviscos teimosos.
Isabel levantou-se para dar de comer a Dente de Leão.
Então, ouviu-se um tiro.
Até a um próximo post,
Joana F.