A primeira flor de cerejeira abriu-se na sua graciosidade cor-de-rosa, deixando as cinco pétalas divergirem elegantemente da madeira verde até tocarem no ramo escuro da árvore, revelando um odor limpo e suave a uma infância que havia pertencido a alguém. A casa junto ao lago, porém, manteve-se indiferente à real chegada da Primavera, conservando o aspecto rústico e, no entanto, magistral que emanava da escuridão das suas paredes. A sua figura fantasmagórica reflectia-se na superfície límpida e metálica da água, a qual lambia preguiçosamente a areia grossa e granítica que antecedia o denso matagal. Um pequeno barco de madeira embatia suavemente com a ondulação contra os suportes do porto improvisado a oitenta metros da habitação. Na dormência madrigal, tudo parecia abandonado e cinzento, à excepção da primeira flor de cerejeira, que impunha timidamente a sua cor contra a frieza da restante vegetação. No entanto, quando dois grossos raios de luz furaram o ar adormecido e percorreram solo e água à velocidade melíflua de quem não tem pressa, todo o vale pareceu ganhar vida com um brilho viçoso e verde. Na camada jovem de erva húmida do orvalho, refulgiram pequenas flores brancas e amarelas imóveis na imensidão primaveril.
Os passos decididos de Leni furaram o caminho que se alongava na orla da floresta, sobre a areia malhada e ainda húmida do avanço da água lacustre. O som arrastado dos seus pés rasou o silêncio e fez dele parte do passado, um passado recente e doce marcado pela deliciosa humidade matinal.
(Excerto do meu novo trabalho, A Casa do Lago.)