Os números verdes brilharam contra o fundo negro do despertador numa luz tímida e intermitente. Uma e meia da manhã. Sawyer virou-se na cama e colocou o braço por baixo da cabeça. Não conseguia dormir. Sempre que fechava os olhos, nem que fosse por um segundo, a sua mente era mergulhada na memória implacável do seu único encontro com A Rainha.
A forte porta circular do cofre estava aberta para trás, encostada à parede cimentada da cave do banco. Sawyer Hayden sentia o peso do silêncio sobre os ombros e o coração a bater insistentemente contra o lado interior do peito. Ergueu a arma, estendendo os braços e contraindo todos os músculos. O tecido da camisa adejou levemente com a aragem gelada que provinha do interior do cofre. A única coisa que conseguia ver era uma longa linha de prateleiras de metal a estenderam-se até à humilde parede branca que marcava o final no compartimento. No entanto, sabia que não estaria sozinho dentro daquele cofre. Sabia que Ela estaria lá. Sabia.
O soalho rangeu suavemente. Pela frincha da porta, Sawyer viu o perfil escuro do irmão a recortar-se na claridade amarela do corredor. Desapareceu, e voltou o negrume. Era bom ter o irmão em casa, depois de todo o tempo que passara sem o ver. Nada fora o mesmo desde a morte do pai, um dos melhores agentes da força policial de Washington DC. A mãe sempre se opusera veemente ao desejo que Sawyer tinha de se juntar ao FBI, mas isso nunca fora impedimento a que essa fome fosse saciada. Com um QI de 184, Sawyer Hayden não era um homem comum. O seu invulgarmente aguçado intelecto permitiam-lhe que discernisse coisas que passavam como vento aos restantes agentes do Bureau. Lembrava-se do caso da morte de Allison May, o qual resolvera pela simples observação de uma fotografia da cena do crime. A essência estava nos detalhes, nas coisas escondidas, nas gotas de sangue que não haviam sido limpas, na posição de uma cadeira, numa folha de papel amarrotada a espreitar da lareira. Havia sempre alguma coisa esquecida, alguma coisa fora do lugar. Mas não fora assim com A Rainha. Com o tempo, Sawyer aprendera a aceitar a sua derrota. Ela era mais inteligente que ele e infinitamente mais analítica; não havia nada de errado com os seus crimes, e isso, ao princípio, consumia-o. Não existiam detalhes, apenas vento e silêncio. No entanto, a ideia que agora o inquietava era outra. Estava reformado há quase sete anos, e perdera toda a prática. Encontrava-se enferrujado, não física mas psicologicamente. Se da primeira vez, quando se encontrava no auge da sua carreira, não a conseguira encontrar, o que faria com que agora conseguisse? Aparentemente, nada estava a seu favor. Nem mesmo o tempo. Olhou o despertador. Duas da manhã.
Viu um vislumbre da figura dela entre o brilho metálico das prateleiras. Ao contornar a parede, escondeu-se atrás de uma coluna e lançou um olhar pela fissura de um armário próximo. Ela nada mais era do que um elegante corpo revestido por uma camada de tecido negro. Do ombro, pendia-lhe uma sacola militar com aspecto pesado. Sawyer sabia que Nebulosa estaria dentro dele. Subitamente, ouviu-a expirar; virou-se de forma lenta e progressiva, como se quisesse propositadamente manter a expectativa até ao último instante. Apesar da mascara que lhe cobria o rosto, era inegável que A Rainha era, de facto, uma mulher. A única coisa que o disfarce revelava era um pujante par de olhos azuis, salpicados de cristais cinzentos, como se flutuassem na retina obstinadamente. Perdeu-se naquele olhar.
- Boa noite, Agente Hayden.
Quente. Vermelho. Viscoso. Sangue no chão. O seu sangue. E a voz dela tépida e doce contra a pele.
- Acorda, Sawyer.
A voz do irmão arrancou-o das memórias. Sentiu o seu toque na pele do ombro.
- Dex? Que se passa?
- Não sei bem. Tens pessoas na sala a quererem falar contigo.
Sawyer içou-se sobre os cotovelos, consultando o visor do despertador. Três e dois da manhã.
- É um pouco cedo para visitas.
- Eu sei, eu sei. Em circunstâncias normais, não os deixaria entrar, mas eles insistem que é urgente. E, bem, parecem o teu tipo de gente.
- O meu tipo de gente? O que é que isso supostamente quer dizer?
Dexter suspirou.
- São cinco agentes do FBI.