O gelo estalou dentro do copo com um som seco, distorcendo a imagem do balcão de alumínio que sustentava o recipiente. O líquido estremeceu levemente, com a cor rica do âmbar a rebrilhar de forma suave. Sawyer Hayden colocou as mãos em volta do vidro grosso do exterior do copo e girou-o lentamente entre as palmas. Passara a tarde a percorrer relatórios, fotografias, pastas e caixas de provas e material recolhido numa diminuta e esterilizada sala de interrogatórios na sede do FBI. A quantidade de informação que tivera de processar havia-lhe transformado o intelecto numa papa pegajosa que se lhe colava à parede interior do crânio. De qualquer maneira, nada disso havia feito com que o caso do Brilho do Pacífico parecesse mais claro. Nem mesmo à luz das provas os acontecimentos eram compreensíveis. No entanto, sabia que tinha sido chamado por causa de outro caso, o caso d’A Rainha, e isso fazia com que quisesse voltar para o Texas, para os seus cavalos. Mas sabia que isso não seria possível.
Sawyer passou a mão pelo flanco; um arrepio laminou-lhe a pele. Por baixo da camisa, conseguia sentir a textura rugosa da cicatriz que tinha há aproximadamente sete anos. Era a única recordação palpável que A Rainha lhe tinha deixado, uma cicatriz. A dor física que a bala lhe imprimira havia desaparecido há muito tempo, mas a dor psicológica, as memórias, eram a maior mágoa. Mergulhou o indicador no whiskey e levou-o aos lábios. O álcool trincou-lhe a língua e fez-lhe arder o palato. Empurrou o copo para longe, não ia beber.
- Sawyer?!
Ao ouvir aquela voz, quente como café de madrugada, um amplo e dourado sorriso desenhou-se no rosto de Sawyer. Ao virar-se, foi subitamente envolvido num abraço forte e masculino.
Dexter Hayden tinha braços fortes e musculados, consequência do árduo treino que lhe era imposto pelo treinador. Aos vinte e um anos, era o mais recente jogador dos New York Yankees, e o prodígio da modalidade. Fisicamente, sempre fora parecido com Sawyer, o irmão mais velho, apesar de o seu rosto ser mais infantil e a pele menos morena. A testa alta era salpicada de fios de cabelo loiro como feno, e os fogosos olhos eram mais azuis que as profundezas do Pacífico. O nariz patrício e os lábios simples e bem desenhados concediam-lhe um charme pueril e redondo.
Sawyer soltou-se do enlace e segurou o irmão pelos braços.
- Olá, Dex. Não sabia que estavas por Washington.
O outro sorriu.
- Estou, esta semana. – dobrou a manga direita da camisa e mostrou a parte superior do membro completamente coberta por uma ligadura cor de carne – Ruptura de ligamentos. E tu? Pensei que andavas pelo Texas.
Sawyer inclinou a cabeça e contraiu os músculos do rosto.
- Vá lá, Sawyer. Eu conheço essa cara, é a cara que fazias para os jornalistas quando estavas quase a dizer que não prestavas declarações.
- Estás a ficar demasiado inteligente, Dex.
- Não é inteligência, foram todos os anos que passei na mesma casa que tu. Vá, diz-me.
Uma vaga hesitação.
- A Rainha. Chamaram-me para dar uma mão num caso.
- Ela está de volta?!
- Não. É um caso relacionado.
Dexter sentou-se ao lado do irmão, cruzando os braços com alguma dificuldade.
- Tens a certeza que queres fazer isto, Sawyer? Depois de tudo o que aconteceu?
- Dex…
- Ela deu-te um tiro.
De súbito, as imagens apressadas daquele dia encheram-lhe a mente, com cores que ele já não se lembrava que existiam. Os olhos dela, tão azuis como cinzentos, gelados, mudos; a sua voz suave e tépida de encontro à sua pele. Era só isso que conhecia dela; A Rainha não tinha rosto. «Boa noite, Agente Hayden.» dissera ela. E deixou-o cair, com o sangue a pingar viscoso no chão. Vermelho. Rúbeo. Quente.
- Sawyer?
- Desculpa, estava a pensar.
- Ouve, como teu irmão, não quero que te metas numa coisa da qual te podes arrepender. Eu conheço-te, sei que não vais desistir disto, e que o caso vai crescer dentro de ti, tal como da primeira vez.
Sawyer sorriu. Era verdade, nunca fora homem de desistir, muito menos de abandonar um caso a meio. O irmão conhecia-o suficientemente bem para saber o tipo de coisa da qual ele era capaz. Lentamente, levantou-se e colocou o braço em volta dos ombros de Dexter.
- Vamos, Dex. Hoje ficas em minha casa.