Jesse puxou de um cigarro. Na boca, bailava-lhe o sabor a café preto e nadava-lhe uma réstia, pouco mais que isso, de um sabor ainda mais amargo: o arrependimento. Pela primeira vez na vida, sentia-se arrependido. Mexeu-se no sofá, desconfortável, e cruzou a longa perna esquerda por cima da direita.
A varanda começava a ser coberta por um nevoeiro cerrado e flutuante, tão denso que parecia sólido. Esticava-se até ao corrimão como se tivesse dedos, como se o vidro não impedisse que ele alcançasse o quarto e o sufocasse com o seu discreto poder. Jesse sabia que aquilo não era bom sinal, que o nevoeiro nunca trazia coisas boas, porque o mal se escondia nos seus braços.
Danny levantou a cabeça e olhou o outro por cima do ecrã do seu MacBook Air.
- Vais começar a fumar, outra vez?
- Não. – respondeu Jesse, encaixando o cigarro entre os lábios sem cor – Só preciso de me ocupar com alguma coisa. Nem sequer tenho isqueiro.
Danny viu de esguelha a caixa de fósforos que espreitava do bolso do sobretudo de Jesse. Suspirando, dirigiu o olhar para a varanda. Aquele nevoeiro…que coisa estranha. Não era possível distinguir nada do lado de fora, apenas fumaças de névoa e branco. Talvez devessem ter cuidado.
- O que estás a fazer? – perguntou Jesse, enquanto fechava lentamente os olhos.
Danny apoiou o queixo no punho cerrado e, antes de responder, inspirou fundo.
- Nada de mais. Estou só a dar uma vista de olhos às notícias da suposta morte da Jacqueline.
- Ah, sim? Alguma coisa de interessante?
- Nem por isso. – passou a mão pelo cabelo – Quer dizer, há um par de pormenores que me intrigam.
Jesse alarmou-se com o tom de voz de Danny. Abriu os olhos e franziu o sobrolho.
- Porquê, o que encontraste?
- Bem, nós sabemos que a Jacqueline não morreu. Mas a verdade é que é impossível ela não ter morrido. Ouve isto: Jacqueline Soleil, jovem concertista de 15 anos, foi encontrada morta num bairro dos subúrbios de Paris durante o dia de ontem, 25 de Maio de
Jesse encolheu os ombros.
- Sim, eu lembro-me de ler isso. Não estou a ver a tua dúvida.
- Pensa, Jesse. Quer dizer, esta notícia já tem cinco anos, mas há coisas que não batem certo. Por exemplo, se a Jacqueline está viva, como é possível que tenha morrido naqueles subúrbios? E se não morreu, quem morreu no lugar dela? Mais, se então não era ela a vítima, como é possível que o Raoul não tenha reparado? Quer dizer, eles estavam juntos, ele teria reconhecido a Jacqueline a metros de distância.
O outro levantou-se com uma agilidade sobrenatural, atravessou o quarto e puxou o computador para si. Abriu uma janela de correio electrónico e digitou rapidamente no teclado.
- O que raio estás a fazer?!
- Estou a mandar um email ao Michael, preciso que ele me arranje as fotografias do corpo no local do crime.
A resposta chegou quando alguém bateu à porta com firmeza. Jesse cerrou os punhos e falou, numa voz timbrada e cheia.
- Entre.
Michael Collins, sério como a morte, inseriu-se no quarto, determinado. Se tinha corrido até ali, nada o demonstrava, nem sequer a sua respiração se encontrava minimamente alterada.
- Obrigado por vires tão rápido. – disse Danny, fechando o computador com um estalido.
- Não há problema, percebi que era importante.
Jesse estendeu a mão branca e fixou o olhar transparente no recém-chegado.
- Posso ver as fotografias?
- Claro.
O Agente Especial pousou a mala de couro sobre a cómoda e abriu-a. Levando a mão à camada superior de coisas que a ocupavam, retirou cuidadosamente um envelope cor de cordel e colocou-o levemente entre os dedos de Jesse.
- Obrigado. – disse, enquanto abria o envelope com ambas as mãos e despejava o seu conteúdo sobre a almofada do sofá.
Inspeccionou as fotografias com ínfima atenção, rejeitando as que não lhe serviam ao atirá-las para o chão com um movimento elegante. Michael seguia os seus gestos com o olhar, não conseguindo deixar de transparecer uma pontada de irritação.
- De que é que estás a procura?
- Espera.
Subitamente, Jesse imobilizou-se, ficando a fitar a fotografia que tinha nas mãos sem sequer piscar os olhos. Danny, de lábios entreabertos, aproximou-se para conseguir ver a imagem claramente. Um sorriso ensombrou os lábios do outro ao apontar a parte da fotografia que ilustrava o corpo.
- Diz-me, Danny, se isto te parece a Jacqueline Soleil.
Após um minuto de estudada observação, Daniel King levou as mãos ao rosto e exclamou:
- Meus Deus…Cornélia!