Paul Carter, na escuridão da sua cela, deitava-se de olhos cerrados na cama, deixando a sua respiração profunda ser o único ruído que se manifestava. Cumpria o terceiro ano da sua penitência de quinze, encarcerado num mundo de betão que o rodeava e perseguia, até mesmo nos sonhos. Ganhara o hábito de não dormir mais de quatro horas; sabia os olhos que se cravavam nele através das grades e que brilhavam na penumbra dos segredos. Ouviu o discreto tamborilar de dedos do guarda prisional no corrimão das escadas e o desafinado assobiar com o qual insistia em presentear os presos. Esgrimiu o cassetete contra as grades de ferro, apertando o taser bem dentro da mão esquerda. Paul não se moveu, continuando de olhos fechados e mãos cruzadas sobre o peito, sem que qualquer expressão se manifestasse. O guarda deteve-se em frente à sua cela, a bater insistentemente com o cabo do cassetete no ferro. Uma, duas, três vezes; o som da pastilha elástica de nicotina a ser mastigada e revolvida dentro da boca.
- Sabes, Carter, - a voz do guarda soou como melaço na escuridão – sempre quis saber porque aqui estás. Quer dizer, quinze anos é um pedaço, e tu pareces ser um tipo atinado. O que te deu?
- Cala-te, Malko. – replicou Paul, num bloco poderoso, mas calmo, de voz.
Malko sorriu, encostando-se à porta da cela com brusquidão.
- Vá lá, não sejas assim.
- Vai-te embora.
A voz do preso vizinho, Georges Medina, fez-se ouvir através das paredes.
- Aqui o nosso amigo Carter roubou uns bancos, matou uma miúda e tentou matar o namorado dela.
O guarda prisional soltou uma gargalhada de satisfação.
- E só apanhaste quinze anos? Deves ter um advogado daqueles.
Na mente de Paul brilhou um rosto, o rosto de Jacqueline Soleil.
Não a matei, pensou, mas mandei matá-la.
A manhã seguinte deu-se a conhecer numa claridade branca que entrou gradualmente pela única janela da cela. Paul Carter estava sentado no chão, com a cabeça encostada ao lavatório, a desenhar num pedaço de papel com um lápis de carvão roído: era um olho, grande e belo, com compridas pestanas que partiam das extremidades das pálpebras. Da cela do lado, ouviu-se a tosse rouca de Medina e o som de água a escorrer pelo ralo. A porta gradeada deslizou para o lado com um guinchar metálico e Malko encaixou o seu grande corpo no umbral. À luz matinal, o guarda parecia uma enorme estátua coberta a serapilheira, a sua pele a brilhar gordurosamente quando os feixes luminosos lhe atingiam a fronte. Pigarreou.
- Ouve lá, Carter, estás acordado?
- Claro.
O silêncio foi imediato e obrigatório, quase como um buraco negro no tempo. Malko sentiu-se involuntariamente arrepiado com o timbre de voz do preso. Limpou o suor da testa à manga do uniforme e rematou a conversa.
- Levanta-te e mexe-te. Tens uma visita.