Raoul corrigiu a sua posição e, lentamente, retirou o revólver do cós das calças, rodando-o demoradamente nas mãos. Era uma .44 Magnum Colt Anaconda de 1990 de coronha negra. Acariciou-a, como se a qualquer momento fosse premir o gatilho. Lambendo os lábios ao de leve, apenas para tentar humedecer as palavras que se preparava para dizer, encostou-se no espaldar no cadeirão.
- Desculpem lá isto da arma. – suspirou – Ando com ela não tanto por segurança, mas para um certo…como dizer?...conforto espiritual.
Os restantes baixaram os olhos para o chão, num pesar digno de luto. Após deixar aquela frase em suspenso, Raoul voltou a falar.
- Vocês costumam ter pesadelos?
Jesse ergueu subitamente a cabeça para o fitar, com o cenho franzido e os lábios entreabertos.
- Sabem como é aquela sensação de estar numa determinada situação, querermos sair dela e não sermos capazes, como nos pesadelos? – continuou – Sinto-me assim, agora.
Jesse suspirou, esfregando os olhos com o punho.
- Desculpa interromper-te, Raoul, mas não entendo como isso tem alguma coisa a ver com o que nós estamos aqui a fazer ou com a carta que nos mandaste.
O outro olhou o tecto, mordeu o lábio inferior e expirou lentamente pela boca.
- Há coisa de um mês, - disse Raoul, nalgo que se assemelhava a um murmúrio – a Don saiu de casa mais cedo do que o costume para ir ao Le Château estudar sem ter ninguém a incomodá-la. Eu pedi-lhe para ela levar a minha flauta ao Alex para ele arranjar uma chave solta. Estava frio, portanto insisti que ela levasse o meu sobretudo comprido, que o dela estava na lavandaria. Entretanto, ela saiu e eu fiquei em casa a acabar um trabalho de História da Música. Fiquei espantado quando a Don voltou dez minutos depois, branca como a cal, a dizer que achava que estava a ser seguida por alguém que chamava o meu nome. Ao princípio, achei que era patetice da parte dela, mas no dia seguinte, quando saí, reparei que estava a ser observado. Não percebi se era um homem ou mulher, só vi um vulto negro que desapareceu um minuto depois.
Fez uma pausa, ofegante, para recuperar o controlo da respiração. Violet observava-o, com os olhos ambarinos muito abertos, atenta ao que ele dizia mas sem perceber muito bem, tal como Danny, Lancelot e Edward. Jesse, por sua vez, entendeu imediatamente onde Raoul queria chegar. O que ele estava prestes a revelar era, na verdade, grave.
- Nas semanas seguintes, não voltou a acontecer nada do género, portanto esquecemos aquilo que se tinha passado. Tínhamos mais com que nos preocupar. Mas há semana e meia aconteceu algo pior. Eu e a Don estávamos na aula de Técnicas quando o Alex entra disparado no Auditório, a chamar por nós, afogueado como eu nunca o tinha visto. Fomos até ao gabinete da Céline, e ela estava sentada na cadeira, imóvel, pálida, a hiperventilar. Quando perguntamos o que se tinha passado, ela olhou para nós como se não estivesse a ouvir-nos, mas, depois, disse.
Todos respiraram ao mesmo tempo, com a tensão a acumular-se no interior do compartimento. As chamas crepitaram, curiosas, na lareira, como se também quisessem saber o que Raoul ia proferir. Assim, depois de um silencioso e pesado momento de mudez, o rapaz concluiu o seu relato, num tom de voz penoso e dorido, que atingiu os outros cinco como um soco no estômago.
- Ela viu a Jacqueline. A Jacqueline está viva.