O tempo estava a passar rápido demais, e o carro não era veloz o suficiente. A agulha do velocímetro apontava nervosamente para os
Jesse virou o volante com violência e o carro guinou numa esquina. Ao fundo da rua, estendia-se uma praça ampla e quadrada, no centro da qual se erguia um obelisco escuro. Todos os candeeiros de rua estavam apagados, hirtos e firmes na rua, adoptando a cor dos corvos. A luz dos faróis incidiu no caminho, e as pedras da estrada brilharam na sua humidade outonal. O veículo entrou na praça com um solavanco e parou abruptamente em frente a uma casa baixa e larga de apenas dois andares com janelas rectangulares e magras que se alinhavam como soldados na fachada do edifício. Jesse puxou o travão de mão e arrancou as chaves da ignição. Abriu a capota e saltou para fora do carro. Vinte segundos depois, Danny e Edward tiravam o corpo mole de Violet Simmons de dentro do automóvel. O outro, suado e sem cor, empunhou um chaveiro, o qual tilintou ao embater contra a madeira da porta.
A casa estava imersa na escuridão. Jesse atravessou o corredor usando a usa memória fotográfica e chegou à cozinha. Por um momento, parou e levou as mãos ao rosto. O coração batia-lhe no peito como se fosse sair do seu lugar e deslizar até aos pés. Limpou uma gota de suor e respirou fundo. Sem luz não conseguiria salvar Violet. Ergueu os braços e passou as pontas dos dedos pelas paredes até sentir a porta da caixa de electricidade. Procurou uma abertura e inseriu os dedos nela, puxando a porta. Empurrou todos os interruptores para cima e uma vaga de luz artificial ofuscou-lhe os olhos.
- Jesse? Onde estás?!
- Na cozinha. – respondeu.
Danny King assomou à entrada do compartimento, em mangas de camisa, com as calças brancas manchadas de sangue.
- O que fazemos agora?
- Não sei. – disse Jesse, em voz baixa.
- Jesse, ela não aguenta muito mais tempo!
A tristeza transformou-se em raiva quando o violoncelista explodiu numa ira descontrolada e selvagem, os seus olhos a arder num tom avermelhado.
- Eu sei que ela não tem muito mais tempo! E isso mata-me, Dan! Mas não sei o que fazer, não consigo pensar!
Daniel expirou lentamente e pousou a mão no ombro de Jesse.
- Tem calma, respira. Elimina isso tudo da tua cabeça, tenta ser racional por um momento. Pensa.
Jesse fechou os olhos. Apagou o rosto cruel de Jacqueline Soleil, os olhares tormentosos de Edward, Danny e Lancelot, a sua própria dor. Tinha de retirar a bala e suturar a ferida, antes que fosse tarde demais. Chamou à memória o local onde costumava guardar o estojo de primeiros socorros e o armário das traseiras. Soube o que fazer.
- Danny, vais ter de me ajudar.
- Claro, diz-me o que fazer.
Jesse uniu as mãos e inspirou fundo.
- Preciso que me vás ao armário das traseiras, onde se guardam as canas de pesca. Ao lado direito, está pousado um balde branco. Abre-o. Dentro de um saco de plástico, vais encontrar um grande número de anzóis; traz um deles, aquele que te parecer estar em melhor estado. Depois, vai à casa de banho e arranja-me toalhas, muitas toalhas. Eu trato do resto.
- Muito bem.
Jesse, após ter reunido todo o material que precisava, sentou-se junto a Violet Simmons. O vestido havia sido cortado em dois, e a ferida, profunda e negra, encontrava-se exposta. O rapaz, apesar de saber o que tinha de fazer, estava receoso. Não queria infligir mais sofrimento a Violet, que padecia em frente aos seus olhos, indefesa. No entanto, ia ter de o fazer se a queria salvar. Debruçou-se sobre ela e, passando-lhe a mão branca pelo rosto, falou-lhe no tom mais doce que conseguia.
- Ouve, Violet, vai ficar tudo bem. Eu vou tratar de ti, mas vais ter de aguentar mais um pouco. Isto vai doer, muito.
Ele dirigiu o olhar para Edward. Este, empunhando uma toalha de mãos, rasgou-a em dois pedaços e sentou-se atrás de Violet para a poder fixar. Segurou um dos pedaços e colocou-o na boca dela, para que a rapariga não mordesse a língua. Ela fechou os olhos e preparou-se para o que ia acontecer.
Jesse olhou para as mãos – tremiam. Se havia coisa proibida naquele momento, era que as mãos lhe tremessem. Bastava uma mínima incerteza, e tudo aquilo seria em vão. Assim, estendeu a mão para a pinça, previamente esterilizada, e, a sangue frio, inseriu-a na ferida aberta de Violet. Esta gritou, mordendo a toalha com força e agitando-se no sofá.
- Está quieta! – gritou Jesse, a quem gotas gordas de suor escorriam pela testa albina.
A extremidade da pinça roçou algo metálico, e Jesse sorriu quando teve a certeza que tinha conseguido agarrar a bala. Calmamente, extraiu-a; o projéctil, coberto em sangue e tecido muscular, brilhou debaixo das luzes. Edward sentiu o corpo de Violet Simmons relaxar quando deixou de ter a bala dentro de si.
- O que vais fazer agora? – perguntou o pianista.
- Suturar. – respondeu Jesse, segurando entre os dedos um anzol resplandecente ao qual estava preso um longo fio negro.
Ao passar o metal pela pele quente de Violet, Jesse sentiu-se mais calmo. Cuidadosamente, fechou a ferida e desinfectou-a, terminando o procedimento ao tapá-la com um penso e uma camada de gaze. Suspirou.
A rapariga ergueu debilmente o braço e passou o indicador pelo rosto dele. Os seus olhos mostravam um cansaço extremo; tinha sido, verdadeiramente, levada à exaustão.
- Obrigada, Jesse.
Ele sorriu.
- Dorme, Violet. Precisas de descansar. Está tudo bem.
E beijou-a levemente nos lábios.