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Dez 09

             Pela enésima vez, Jacqueline pressentiu que o seu plano ia resultar; a sua maquiavélica complexidade concedia-lhe um carácter infalível. Estava tudo demasiado bem planeado para falhar, demasiado bem traçado, com todos os detalhes alinhados e em controle. Na escuridão do corredor que levava à cave, Jacqueline sorriu. Caminhou lentamente sobre a pedra, deixando as réstias de luz para trás e abafando o som do cliquetear dos saltos.  Aproximava-se o final do plano, tal como o fim do caminho. A luz dourada da vela que deixara acesa na cave formava um semicírculo no chão revestido por granito gélido. Cautelosamente, atravessou a passagem. O movimento do seu corpo não emitiu qualquer som, e ela manteve-se invisível nas sombras. Girou os calcanhares e encostou-se à parede onde a pesada porta de metal tinha sido brutalmente encostada. Jacqueline fechou os olhos e inspirou fundo. Ao extinguir a visão, todos os outros sentidos de apuraram imediatamente. Um odor singelo a colónia de homem fustigou-lhe as narinas, as quais se contraíram imediatamente. Jesse Stone estava na cave e essa conclusão foi confirmada quando ela ouviu a sua voz, grave mas nervosa, do interior do compartimento. Os seus lábios contraíram-se num quase sorriso, que se apagou de imediato. O segundo acto ia ter início.

            Lentamente, dispôs-se no rectângulo que a ausência de porta formava na entrada para a cave. Não estava, no entanto, preparada para a visão que se lhe era apresentada. Jesse Stone, ajoelhado no chão sujo e húmido, beijava calorosamente Violet Simmons, a qual, nos seus braços, depositava toda a confiança. Ela não havia morrido, não havia desistido.

            - Bem, - disse Jacqueline – que resistente que és, Violet.

            Jesse levantou a cabeça e estreitou o corpo da rapariga contra o seu peito.

            - Jacqueline. Não podes apenas desaparecer de vez?

            Ela sorriu.

            - Eu desapareci durante cinco anos. Agora, só planeio fazê-lo de novo quando tiver recolhido todas as minhas dívidas.

            Violet tossiu em seco, e a sua boca foi invadida por um sabor a fuligem. Levantou o rosto e fitou Jesse. O que viu no seu olhar não a confortou – um medo terrível começava a espalhar-se por ele, e a sua pele começava a ficar gelada, como se Jacqueline o estivesse a matar apenas com palavras.

            - Jesse, diz-me, – proferiu ela, com um pingo cruel a enegrecer a sua voz – morrerias por ela?

            Ele fitou-a, em silêncio, com os lábios entreabertos, parecendo um boneco de cera. Raoul tivera razão, nada a podia parar. A sua retorcida perversidade e imprevisibilidade faziam de Jacqueline Soleil a pessoa mais letal que ele alguma vez havia conhecido. Os seus olhos tinham a cor do veneno.

            - Eu sei que morrerias por ela. Sei que ela é o que tens de mais precioso, e que lutarias até ao fim para garantir pela sua sobrevivência. Mas estamos aqui, frente a frente, e eu posso fazer qualquer coisa sem que possas impedir-me. Eu sou a porta de saída. Sei que preferirias morrer a que ela morresse. Já estive na mesma posição, pronta a dar tudo por alguém, a deixar o mundo para trás desde que o tivesse. No entanto, as coisas não são assim tão simples. Vivemos em ilusões, e as minhas dissiparam-se muito cedo. Eu só tinha quinze anos, merecia viver mais algum tempo. Mas não vivi. É como se estivesse no corpo de outra pessoa sem realmente estar. – fez-se silêncio por um momento, e ela levantou o olhar para perfurar Jesse com ele – E tu morrerias por ela. Na verdade, é o que queres que aconteça. Sei que, se te matasse agora e a deixasse viver, irias feliz para o outro mundo. É por isso que não te vou matar, Jesse.

            Nesse momento, Jacqueline empunhou uma Nagant M1895. O seu brilho opaco reflectiu-se nos olhos de Jesse, o qual, imóvel, compreendia as palavras de Jacqueline.

            - Adeus.

Com um clique, ela premiu o gatilho e o projéctil voou, em brasa, pelo ar escurecido. Jesse sentiu, imerso num terror incapacitante, a bala a entrar no corpo de Violet Simmons.

publicado por Katerina K. às 20:33

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