BLOG FECHADO

20
Dez 09

             Jesse olhou o beco que se estava a preparar para atravessar. Ouvia o pingar de um cano a formar uma poça no cimento, as patas de um gato e deslizar agilmente sobre os sacos de plástico que se espalhavam pelo chão nas redondezas dos caixotes do lixo, o som do vento a assobiar entre os tijolos e os degraus das escadas de emergência. Nada daquilo o intimidava, nem sequer o brilho amarelo dos olhos de um morcego que se dependurava de um parapeito. O que o assustava era aquilo que ele poderia encontrar do outro lado do caminho.

            À medida que caminhava e as botas chiavam contra o cimento, foi apertando mais a Smith & Wesson dentro da mão. Atravessou o beco silenciosamente e encostou-se à parede da esquina antes de a dobrar. Viu que um outro caminho perpendicular de estendia na escuridão, perdendo-se no meio de algo que Jesse presumiu ser um luxuriante jardim. Fez o cano do revólver roçar na pedra da parede e grãos de areia caíram no chão fazendo ricochete para todos os lados. Avançou na penumbra, com o braço a roçar na parede como apoio. Não tardou a sentir o cotovelo embater numa estrutura metálica que ele percebeu ser o corrimão das escadas traseiras. Içou-se até o seu pé embater na superfície do primeiro degrau. A porta traseira estava aberta. Jesse não esperava outra coisa, tendo em conta que já sabia que ela aguardava a sua chegada.

            Jesse fechou a porta atrás de si com um clic, e mergulhou-se na escuridão do corredor que se espraiava na sua frente como água sobre um espelho. Reconheceu o cheiro doce a orquídeas que se aproximava dele. Jacqueline Soleil sempre tivera um estranho amor por orquídeas brancas, perdendo-se nas suas pétalas e no seu aroma como quem se perde entre braços e calor humano.

            Ouviu um ranger, e rapidamente levantou o revólver à altura do peito, descrevendo uma volta completa sobre si próprio. Notou que, pela frincha de uma cortina, entrava um fio de luz prateada. A lua estava cheia, soberba e redonda, rebentando em cristais bruxuleantes que tinham o nome de estrelas. Era essa luz, gelada e cortante, que guiava Jesse no negrume. Calmamente, o rapaz foi percorrendo o corredor, com os sentidos aguçados e o coração parado no peito. De forma lenta e gradual, apercebeu-se que o traçado daquele corredor não lhe era estranho. Algo naquela casa, nas paredes, nos sons, lhe mexia com o íntimo. Havia memórias espalhadas pelo chão, como neve.

            Do silêncio, da escuridão prateada, nasceu uma porta. Por baixo dela, tremeluzia uma claridade cor de fogo. Jesse guardou a Smith & Wesson no cós das calças e parou um instante para pensar. Conseguia ouvir o crepitar das labaredas e os estalidos da madeira; a lareira encontrava-se acesa, e uma brisa cálida passava por baixo da porta. Já habituado à escuridão, Jesse fechou ou olhos e abriu-a.

            No centro da sala, erguia-se um tabuleiro de xadrez. As peças estavam dispostas sobre a superfície quadriculada, com a sombra das chamas a adejar no seu exterior.

            E ali estava ela, Jacqueline Soleil, propagando na escuridão a sua beleza fria e cortante, que fazia os olhos doer. Os cabelos caíam-lhe naturalmente pelas costas e pelo peito, em longos fios negros que pareciam refulgir com as labaredas.

            - Jesse Theodore Stone, há quanto tempo.

            Levantou os olhos, de um violeta pulsante e sem fundo, pousando-os em Jesse. Nesse momento, ele soube que, independentemente do que fosse acontecer durante aquela noite, só um deles sairia dali vivo.

publicado por Katerina K. às 20:03

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