BLOG FECHADO

19
Nov 09

                Leah virou a cabeça na almofada e franziu o cenho. Entreabriu os olhos e levou a mão ao rosto. Que horas seriam? O seu corpo rugiu dentro dos lençóis, e apercebeu-se que estava ainda vestida. Os olhos, toldados de um turvo cinzento, começavam a ficar desprovidos da névoa do sono. À medida que isto acontecia, Leah apercebia-se de que não conhecia o quarto no qual estava. As paredes eram cobertas por um papel de parede verde-água com motivos clássicos. Do tecto, pendia um candeeiro de cristal que ainda não estava adaptado para a electricidade, e velas encavalitavam-se na armadura dourada. Uma grande cómoda pintada de branco erguia-se contra a parede, escondendo uma ínfima porção de um espelho oval com moldura de ferro. Por todo o quarto, flutuava uma doce fragrância a orquídeas e a mel. Todo o compartimento tinha um aspecto antigo, demasiado antigo, quase saído de uma revista de decoração de 1910. As cortinas, zelosamente fechadas, deixavam entrever uma linha trémula de luz alaranjada, de fim de tarde. Leah levantou-se lentamente, ao sentir a cabeça latejar de modo pesado com cada movimento. Retinha na boca um sabor adocicado e enjoativo que se lhe espalhava pelo corpo num torpor adormecido. Ao sentar-se na borda da cama, com os pés descalços assentes na carpete, apoiou os cotovelos nos joelhos e encaixou o rosto nas mãos. As tonturas foram abrandando, e quando se sentiu capaz de se levantar julgou ter ouvido um barulho. Fora apenas um pequeno estremecimento no ar, como uma barata a atravessar um corredor, mas ainda assim estava lá. Quando o voltou a ouvir, teve a certeza.

            - Quem está aí?

      Só um pequeno vibrar das lágrimas de cristal que pendiam do candeeiro quebrou o acolhedor silêncio que reinava no quarto.

            - Quem está aí? – repetiu ela, levantando-se e levando uma mão à cabeceira da cama.

            Mais silêncio, até que um riso cheio gatinhou na escuridão dos fundos e uma voz feminina ondulou entre as paredes.

            - Acalma-te, Leah. Ninguém te vai fazer mal.

         Leah reconheceu a voz, apesar de estar consideravelmente diferente da última vez que a ouvira: era a mesma voz da pessoa que lhe batera à porta de casa, a voz que pensava nunca mais ouvir.

            - És tu? – perguntou, hesitantemente.

            - Claro que sou eu, quem esperavas que fosse? – respondeu a voz.

        Na escuridão, atingido por um raio de luz vindo da janela, brilhou uma camada de cabelo tão negro que parecia azul-escuro na claridade. Um par de olhos refulgiu como rubis por baixo dos fios de cabelo.

            - Porque é que me trouxeste para aqui?

            - Tenho de te proteger. Deles. – um pingo de raiva dependurou-se da voz.

            Leah recuou demoradamente até que as suas pernas ficaram encostadas à fria madeira da cama.

            - Estás a assustar-me…

            - Eu não vou deixar que eles te descubram. Nunca mais.

            - Estás a assustar-me, Jacqueline!

            O esbelto corpo de Jacqueline Soleil apresentou-se na claridade alaranjada do quarto. Continuava bela, assustadoramente bela, dentro de um vestido negro que lhe acentuava as formas atléticas. Mas o rosto…o rosto era mais branco que a luz. Sorriu, e os olhos contraíram-se num esgar mais frio que a morte.

publicado por Katerina K. às 09:35

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