Lancelot Carter ouviu a pesada porta da sala de visitas da prisão abrir-se com um silvo. As suas narinas foram envolvidas por um cheiro tépido a metal e a tabaco. Do outro lado, viu o pai. Cabisbaixo, de pele macilenta e cinzenta, brincava com os dedos aracnídeos. Mechas do cabelo negro caíam-lhe sobre os olhos tristemente. Envergava um fato de macaco cor de laranja que lhe estava grande demais sobre uma t-shirt branca de lixívia. Lancelot deslizou a alça do estojo da guitarra sobre o ombro e respirou fundo. Estava na hora. Aproximou-se da mesa metálica, puxou a cadeira para trás e sentou-se calmamente. Paul Carter continuava a fitar as mãos, sem descolar os olhos da superfície espelhada da mesa.
- Olá, pai.
Lentamente, o homem levantou o olhar para o rosto do filho. Por momentos, ficou a observá-lo como se não o reconhecesse.
- Lance? – a sua voz rouca soou grave e profunda.
- Sim, pai, sou eu.
O homem parecia incrédulo, como que arrancado de um sonho para ser obrigado a ver a realidade.
- Estás tão diferente…
- Estou diferente, estamos todos diferentes. Não sou pessoa de ficar parada no tempo, tu devias saber disso melhor que ninguém! Mas esse tipo de coisa não interessa agora. Diz-me lá porque é que me chamaste aqui com tanta urgência.
Um brilho opaco revestiu os olhos de Paul Carter. Lambeu o lábio inferior e tossiu pesadamente.
- A Jacqueline Soleil veio visitar-me. – o seu rosto ficou sério e duro como pedra.
A única reacção da parte de Lancelot foi um longo suspiro.
- Ouviste-me, Lancelot? A Jacqueline está viva!
O rapaz passou os dedos pelo cabelo, recostou-se na cadeira e cruzou os braços.
- Eu sei, pai.
- Já sabias?! Há quanto tempo?
- O suficiente.
Paul mergulhou a cabeça nas mãos. Por momentos, lembrou-se da voz dela.
- Sabes, Carter, - disse ela, na sua voz sensualmente aveludada – tu acabaste por conseguir o que querias. Mataste-me. Mataste-me por dentro. Até te agradeço por isso, realmente. Acabaste com a Jacqueline, que era muito acertada, inocente e preocupada com os outros. Apodreci durante dois anos, sozinha, a pensar que podia chegar ao Le Château quando estivesse pronta e que toda a gente ia estar à minha espera, de braços abertos. Tentei fazê-lo, mas vi todos a seguir as suas vidas. Até o Raoul. Agora, ele está feliz ao lado daquele saco de carne. E o incrível é que ela é magnificamente parecida comigo. – riu-se cruelmente – Entretanto, eu ando escondida. Mas a Fénix renasce das cinzas, não é? Creio que todos podemos fazer o mesmo, desde que tenhamos os meios. E tu, Carter, vais assistir àquilo que vou fazer. A ti, não te posso tocar, estás bem seguro. Bem preso. Mas o teu filho, o teu querido filhinho, não. Ele e os amigos andam a pedi-las, ao meterem aqueles narizes onde não são chamados. Portanto, só tenho que te agradecer pela transformação que me deste. Espero que sejas muito, muito feliz, Carter.
- Pai? Pai, estás a ouvir-me?!
Paul abanou a cabeça, afastando da memória aquele implacável momento.
- Lancelot, ouve o que te vou dizer. Tu tens de sair de França, o mais rápido possível. Volta para Boston, porque se ficares aqui, se continuares sem sair do mesmo sítio, ela vem atrás de ti e dos outros e vai dar cabo de vocês.
O rapaz exibiu um sorriso pálido.
- Pai, não estás a perceber. Eu não posso fazer isso. Fugir é ser cobarde, e neste momento a última coisa que precisamos é um cobarde. Eu prometi à Violet e ao Jesse que resolvia isto com eles, e não vou deixá-los ficar pelo caminho por causa dos devaneios de uma louca.
Levantou-se bruscamente, caminhando em direcção à pesada porta da sala de visitas. O guarda prisional afastou-se para deixar Lancelot passar. À medida que se afastava pelo corredor revestido por azulejos brancos em forma de quadrados, o músico viu a sua mente ser invadida por tudo o que o pai lhe dissera. Ela vai dar cabo de vocês. Raoul dissera o mesmo.
Os seus passos ecoavam no longo corredor como sinos. Ia-se aproximando da porta, pela qual entrava uma tímida luz matinal. Ao entrar no carro, fechou a porta. Apoiou os cotovelos no volante e as faces nas palmas das mãos, observando o sol através do vidro fronteiro.
- Que cara. Não correu lá muito bem.
Lancelot recostou-se no banco, dirigindo o olhar para o espelho retrovisor. No banco de trás, Jesse Stone brincava com a navalha.
- Tens razão. Não correu. Ele tentou assustar-me, afastar-me deste assunto. Tal como o Raoul fez connosco.
- A Jacqueline veio visitá-lo, foi?
- Sim. E deu-lhe um abanão jeitoso. À entrada, perguntei ao guarda prisional se ele se lembrava de ter visto uma rapariga a vir visitar o meu pai. Ele disse que só se lembrava do nome que ela tinha dado no registo: Cornélia Arnaut.
Jesse franziu o sobrolho níveo, e os seus olhos ganharam uma intensidade que se assemelhava a cor.
- Cornélia Arnaut? De certeza?
- Pois, eu sei o que estás a pensar.
- Porque é que ela deu o nome da Cornélia? Ela nem sequer estava em Paris naquele Inverno! Só se…
- Só se o quê?
- Arranca, Lance. Tenho de falar disto ao Edward.