Danny King, deitado entre os lençóis listados, aproveitava os últimos momentos de conforto na cálida ternura da cama. O quarto, banhado pela azulada claridade da manhã, era tingido por uma camada de espelhada resplandecência. O sol matinal, gelado, atravessou a fenda das cortinas e desenhou um rectângulo na carpete. Edward já estava acordado, sentando-se contra a parede com a partitura da Fantasia Coral de Beethoven sobre os joelhos. O cabelo escondia-lhe os olhos e mergulhava o rosto na sombra, só deixando entrever os lábios, que se moviam apenas levemente ao ritmo do baixo do piano.
- Estás acordado?
Edward assentiu, soltando um grunhido grave. Danny sentou-se na cama, puxou o cabelo loiro para trás e pigarreou, brincando com o anel de brasão da família.
- O que estás a fazer?
Edward suspirou.
- A estudar. O professor Harrington ficou furioso comigo por eu ter fugido de Kiev. Quer dizer, afinal deixei uma orquestra inteira pendurada. Mas, no fundo, ele sabe que isto é importante.
- Tinha-me esquecido disso. Parabéns pelo concurso, já agora.
O outro ergueu o olhar e sorriu sombriamente.
- O Chopin? Foi mais fácil do que eu imaginava. Basicamente, reinei. Primeiro, era o mais novo. Depois, era eu que trazia o programa mais ambicioso. Estavam todos…bem…amedrontados.
- És o meu ídolo, Ed.
Riu-se, a sua gargalhada rasando a semelhança ao vento.
- Idolatrar, só a Deus.
Danny levantou-se, despindo o pijama.
- O que achas disto da Jacqueline?
Edward encolheu os ombros, arremessando a partitura para cima do sofá.
- Acho que há quem saiba mais do que quer admitir.
Danny anuiu lentamente, levando a mão direita aos lábios, e passou os dedos por eles.
- Acho, também, - continuou Edward – que podemos fazer algum trabalho investigativo.
O outro rapaz virou-se bruscamente, arqueando uma sobrancelha de forma desconfiada. Pegou na camisa e atirou-a para as costas.
- Desculpa, mas não entendo o que quiseste dizer com isso.
Edward sorriu, e uma covinha arrogante desenhou-se-lhe infantilmente na face. Levantou-se, remexeu dentro da mala, e exibiu um esgar triunfante quando encontrou o que procurava. Ergueu uma fotografia quadrada, na qual se reflectiam os frios raios de sol matinal. Era o jardim do Le Château, rebentando de cor no cerne da Primavera. Sentados junto ao carvalho velho, um grupo de três raparigas e dois rapazes vivia a alegria da sua propositada juventude. Danny reconheceu-os de imediato, a todos.
- Penso, - proferiu Edward, no tom imperial de quem revelava uma verdade absoluta – que temos de visitar a Leah.