Três.
Violet Simmons ficou a olhar para o envelope branco com os olhos verdes esbugalhados e pejados de confusão. Expirou lentamente por entre os lábios entreabertos, o cenho franzido numa série de curiosas e profundas rugas. Revirou o envelope nos dedos, como se não soubesse o que fazer com ele. Estava endereçado a ela, com tinta negra e uma letra estreita e pequena. A carta tinha remetente, um remetente que Violet imediatamente estranhou. Ao ver aquele nome, tão claro na brancura do papel, a sua mente viajou instantaneamente para aquele Inverno, em Paris, quando haviam descoberto a verdade sobre a morte de Jacqueline Soleil. Isso levara Paul Carter, antigo professor e director da Academia Carter, a ser imediatamente detido pelo assassínio de Jackie. Fora em Paris, em frente ao Le Château, a Escola Nacional de Música, que ela, Edward Cole, Jesse Stone, os irmãos King e Lancelot Carter se haviam visto pela última vez, com a neve nívea a cobrir-lhes os cabelos e a enterrar-lhes os pés. Fora esse o último dia. Depois, separaram-se. Durante os passados três anos, Violet ainda recebia notícias regulares de Trevor King, irmão de Danny, e, de vez em quando, via o rosto de Edward na televisão ou nos jornais. Recentemente, soubera que ele havia ganho o Concurso Chopin. Era um feito admirável, e Violet não recebeu a notícia com muita surpresa. Sentia a falta deles, e, sobretudo, daquela semana de Dezembro em Paris. Todos os anos, Violet ainda ia a França apenas para depositar um ramo de orquídeas brancas na campa de Jacqueline Soleil, como prova de respeito e de certa saudade. No entanto, o assunto fora esquecido, e a rapariga podia descansar em paz, sabendo que justiça tinha sido feita.
Mas, apesar de tudo, aquele remetente inquietou-a. Há imenso tempo que Raoul Lewis não escrevia. Ele ficara em França, naquele Inverno, e Donna Weaver decidira permanecer lá para o acompanhar. Que Violet soubesse, tinham ficado noivos há pouco tempo. Recebera a notícia por Alexander White, professor de Raoul, que retomara a sua actividade pedagógica no Le Château após casar com Céline Soleil.
O remetente era Raoul. Estava ali, preto no branco, o nome dele – Raoul I. P. Lewis – e o endereço do seu apartamento de Paris. Violet virou o envelope devagar e abriu-o com a faca de prata que pertencia ao padrasto. Um estranho e suave perfume soltou-se do sobrescrito, vindo da fina folha cor de pastel que descansava no seu interior. Violet pegou-lhe com cuidado e desfraldou-a, elevando-a à altura dos olhos. A luz da janela atravessou o papel, formando transparências, e destacando as frases decalcadas a preto que pareciam ter sido escritas com uma invulgar pressa.
A rapariga leu, passando os olhos por cada linha com atenção. Era uma mensagem curta, objectiva, desesperada. Estudou o último parágrafo já com uma aguda angústia a arder-lhe na boca do estômago. Não era possível…
Pegou no casaco e nas chaves, fechando a porta de entrada pesadamente atrás de si. Tinha de encontrar os outros, não havia outra solução.
Deixou a carta caída no centro da carpete da sala, a ser agitada pela brisa que entrava pela fresta de uma janela mal fechada. Só era possível ler uma frase:
Nunca precisei tanto da vossa ajuda. Isto ainda não acabou.