Dois.
- Mais uma vez, do rallentando.
Edward Cole assentiu, atacando as teclas do piano com ferocidade, fazendo uma grande quantidade de madeixas de cabelo caírem-lhe para a frente do rosto, numa imensa cortina castanha clara que lhe chegava aos olhos. Um pingo de suor escorreu-lhe pela testa dourada e caiu sobre as costas da mão direita, que deslizava no registo agudo em diversos arpejos e acordes de sétima.
- Sim, agora está melhor. Mas amanhã temos de trabalhar essa parte outra vez. E cuidado com o dó agudo, está forte de mais. Destaca a mão esquerda, é aí que está o apoio.
- Tudo bem, professor. – respondeu Edward, ofegante, dirigindo o olhar para William Harrington, sentado na primeira fila do Concert Hall em Kiev.
Por muitos anos que passassem, aquele homem continuaria com aparência jovem e cuidada, dentro dos seus elegantes fatos de seda e camisas brancas impecavelmente engomadas. Os olhos, de um castanho esverdeado, brilhavam nas órbitas já raiadas de algumas rugas de expressão com uma vida surpreendente. Passou a colossal mão de unhas limadas pelo cabelo copiosamente penteado para trás e uniu-a à outra na parte de trás do pescoço. Edward sentou-se no limite do palco e içou-se para o solo com um pequeno salto. Encostou-se à parede do fosso de orquestra e, passando o seu lenço de linho pela testa, suspirou. Sempre fora um rapaz incrivelmente bonito, e já tinha passado o tempo da adolescência. Era alto, não demasiado estreito, com um rosto bronzeado e jovial. Dois grandes olhos cor de chocolate quente eram parcialmente escondidos por mechas da sua rebelde juba, a qual ainda deixava entrever o seu belo nariz aquilino que lhe concedia um charme quase romano. A mandíbula arredondada era coberta por uma camada de barba rala, não muito escura, que dava uma textura áspera ao rosto moreno.
- E faz a barba, Edward. Nada é mais feio que um concertista com barba de dois dias.
- Se eu me esquecer, não tenho culpa.
Depois de uns raros segundos de silêncio, enquanto Edward guardava o lenço e abrigava as mãos nos bolsos, o professor levantou-se.
- Dorme bem, hoje. Não te quero todo excitado no concerto, amanhã. O maestro vem falar contigo antes do almoço, e o ensaio com a orquestra vai durar toda a tarde, portanto sugiro que tomes um pequeno-almoço reforçado.
- Não se preocupe, eu cuido de mim.
Curvou os lábios num sorriso bronzeado e brilhante que formou uma aura luminosa à sua volta. Quando se ia a preparar para sair, com a mochila pendurada no ombro, a voz do professor invadiu-lhe os ouvidos.
- Edward, há quanto tempo não recebes notícias do Raoul Lewis?