BLOG FECHADO

14
Set 09

            O sol punha-se, mergulhando no oceano lentamente e tingindo o céu à sua volta em tons róseas e mornos. Sentei-me na areia, encostei os joelhos ao queixo. Numa demorada e deleitosa inspiração, absorvi o ar salgado e fechei os olhos. O som da rebentação das ondas contra os rochedos chegou-me num burburinho natural, quase dormente, espalhando-se à volta do meu corpo como lava. A água do mar lambeu o areal dourado com gula e veio beijar-me os dedos dos pés, nus. Deixei-me ficar imóvel, a ser embalada pelo som do oceano e das asas das gaivotas a cortar gentilmente o ar. Este foi perturbado por uma gargalhada distante, proveniente da casa, que eu sabia pertencer à Núria. Estava quase na hora de jantar, mas eu não tinha fome. Pelo menos de comida. Devorei a paisagem sofregamente e sorri, satisfeita com o meu ambiente envolvente.

            - Sabes, - soou a voz do Anjo – eu gosto disto.

            - De quê?

            Ele não respondeu. Observei-o. Pensei que, naquele panorama, o Anjo fosse uma personagem estranha, deslocada, como um homem a preto e branco num filme a cores. Mas enganei-me. A tépida luz solar reflectia-se no seu rosto descolorado, acabando por espalhar pela sua pele um agradável tom quente. O seu cabelo, negro como a noite cerrada, parecia quase azul, e agitava-se em vórtices imperceptíveis quando a brisa marítima nos atingia com suavidade. Fixei-me nos seus olhos, pálidos, prateados, que emitiam a sua própria luz como duas chamas vivas e frias. Mostrava um quase sorriso, mas que não o chegava a ser, encurvando-lhe os lábios desbotados. Porém, na intensidade com que fixava o horizonte, onde o sol parecia uma gigante moeda de cêntimo, vi um imperturbável êxtase, como se finalmente estivesse em paz consigo mesmo. Lentamente, virou a cabeça na minha direcção e a expressão desapareceu-lhe. A luz entrava-lhe na íris, fazendo com que ela brilhasse na imensidão do rosto. Nesse momento, em que a claridade se espalhou por ele, no seu exterior e interior, enchendo-o inusitadamente, vi. O que eu descrevera como sendo olhos prateados, não o eram. A sua íris, cristalina, era raiada de cor, de vida, rasgada por lampejos negros, azuis, cinzentos e violetas, numa intensa e perpétua tempestade que se travava no seu íntimo. Soltei um arquejo, levando a mão ao rosto, apanhada de surpresa por tal visão. Eram os olhos mais belos que eu já tinha visto.

            Ele ergueu o braço e agarrou a minha mão, com uma suavidade transcendente, mantendo-a no interior da sua. Estava gelada, como sempre, e a minha quente e suada, como um pano da loiça. O silêncio entre nós, quebrado pelo som do mar, finalmente me pareceu agradável, como se fosse a única coisa que existisse. Então, falei, num murmúrio.

            - As tuas mãos estão frias.

            O Anjo não retorquiu, e eu, por um momento, pude jurar que vi esperança a vaguear como um espectro entre a cor dos seus olhos.

publicado por Katerina K. às 11:29

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