BLOG FECHADO

08
Set 09

            Enquanto atravessávamos longos corredores forrados por retratos antigos, quase mergulhados no negrume, com as três crianças em fila indiana atrás de nós, o Anjo falou.

            - Hoje foi um dia mau para teres aparecido por cá. – disse ele, numa voz tão baixa que tive dificuldades em percebê-lo.

            - Pois, eu calculei.

            Ele hesitou um segundo.

            - Mas, por outro lado, sempre podes vir connosco.

            - Onde?

            - Dar um passeio.

            Vi os olhos dele brilhar na penumbra, de uma maneira que achei estranhamente arrepiante. O Anjo conservou-se em silêncio até chegarmos a uma monumental garagem, na qual estavam estacionados pelo menos seis veículos, todos cobertos por capas cor de granito. Fiquei parada no umbral da porta, observando-o a afastar-se na direcção de um deles. Pousou a mão sobre ele, voltou o olhar para mim, sorriu.

            - Este é o nosso carro de família. Vê.

            Arrancou o tecido cinzento num único treinado movimento. Na minha frente, erguia-se uma visão de metal e tecnologia. Um Bentley Continental GT negro, com vidros fumados – tudo menos um carro de família – refulgia orgulhosamente sob as luzes artificiais.

            - É um belo carro. Quase um objecto de colecção.

            - Sim, - respondeu ele, como se eu tivesse acabado de dizer a coisa mais imbecil do mundo – claro que é.

            A voz grave do Ricardo soou nas minhas costas.

            - Eu conduzo.

            - Pois, já esperava. – retorquiu o Anjo, com um sorriso a iluminar-lhe o rosto tal como um relâmpago.

            Atirou as chaves, que me passaram à queima-roupa pelo flanco, acabando por aterrar entre os fortes dedos do Ricardo. O Anjo afastou-se para deixar o irmão passar. Este, num soberbo gesto de vaidade, entrou no carro e encaixou a chave na ignição. Rodou-a, e o motor ronronou deleitosamente sob o capô. Soltando um exasperante suspiro de prazer, o Ricardo recostou-se no banco de couro branco e fixou o olhar azul, tirado das profundezas do mar, no meu.

            - Vais no banco da frente, comigo, tudo bem?

            - Não há problema. – reparei que tinha um sorriso no rosto.

            - Muito bem, então! – exclamou, alegremente.

            Pouco depois, a Núria e o Francisco, trazendo um saco de lona ao ombro, entraram no banco de trás do Bentley com uma naturalidade majestosa. Senti os olhos do Francisco cravados na minha nuca como dois pregos ferrugentos. Só após já termos arrancado e saído, reparei que o Anjo não ia connosco no carro. Franzi o sobrolho e fitei interrogativamente o Ricardo, o qual conduzia com o braço esquerdo fora da janela. Ele sorriu, fazendo um gesto com a cabeça na direcção do espelho retrovisor lateral. Olhei, e vi o que ele queria dizer. Pouco atrás, no nosso encalço, o Porsche Panamera deslizava elegantemente sobre o asfalto e, dentro dele, o Anjo conduzia só com uma mão no volante. Os seus Ray Ban brilhavam quando os raios de sol batiam nas lentes opacas. Apoiou o cotovelo na janela aberta e passou o dedo pelos lábios pálidos, os quais mostravam um pequeno sorriso de satisfação.

 

publicado por Katerina K. às 15:58

Setembro 2009
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5

6
7
8
9
11
12

13
16

24
26

28


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

RSS
arquivos
mais sobre mim
pesquisar
 
favoritos

#5

blogs SAPO