BLOG FECHADO

07
Set 09

            O jardim, na sua fabulosa verde luxúria, espraiava-se na frente dos meus olhos como um oásis tropical. Fui envolvida por um vigoroso conjunto de cheiros e de sensações. Senti-me de súbito perdida numa imensa e eterna Primavera. Uma fonte, com uma ninfa de mármore sentada no seu topo, esguichava água numa meia parábola que ia desaguar num lago pejado de nenúfares e flores cor-de-rosa. Um chorão preguiçoso mergulhava as pontas dos seus ramos, que pareciam dedos compridos e ossudos, na superfície cristalina e inerte da água. Um inebriante riso límpido de criança encheu-me a alma como mel. Os lábios do Anjo roçaram conta a minha orelha e moveram-se, num sussurro. O seu hálito, glacial e cortante, afagou-me a pele.

            - Desculpa aquilo de há pouco.

            Respondi sem me virar na sua direcção, de modo a não ter de enfrentar aqueles olhos claros que me pareciam escrutinar.

            - Não há problema. Gostei do duelo, de qualquer maneira.

            Ele riu-se, contornando-me e parando ao meu lado, com as mãos brancas dentro dos bolsos de trás das calças.

            - Foi ligeiramente ridículo. – levou as mãos à camisa e abanou o tecido – E o Ricardo vai ter de me coser aqui um botão.

            Não respondi, deixando-me ficar com um sorriso a brincar-me nos lábios.

            - É interessante a maneira como o Francisco olha para ti. – disse ele, e a cor fugiu-me do rosto.

            Quando não respondi, o Anjo continuou.

            - Ele ficou quase…hum, como dizer…chocado com a tua presença. Ele não é um rapaz muito sociável, aliás nenhum de nós é, mas foi estranha a atitude dele.

            Pensei por um instante se o Anjo me estaria a falar do irmão ou a informar-me sobre si próprio. Mantive-me em silêncio.

            - É engraçado. Ele gosta de ti.

            Virei-me bruscamente para ele, a incredulidade e surpresa patentes na minha expressão pálida. O Anjo deliciou-se com a minha manifestação de espanto e lançou no ar uma gargalhada ampla e voluptuosa, num som totalmente celeste. Eu nunca o tinha visto rir daquela maneira, especialmente sendo ele um homem que muito poucas vezes expunha qualquer tipo de emoção ou afecto. Conteve aquele súbito escárnio e limpou com o dedo uma humidade que lhe incomodava o olho direito.

            - Desculpa. – pronunciou, ainda a abafar o riso – As minhas sinceras desculpas. Não resisti a ver a tua reacção. Mas isso não faz o que eu disse menos verdade.

            - Pois. – repliquei, arremessando-lhe um esgar de desaprovação.

            De repente, vimo-nos circundados por três pequenos seres humanos que, rindo, se nos agarravam às pernas. Eram crianças coradas, cabelos cor de areia, olhos grandes, azuis e pestanudos. O maior, um rapaz que devia estar a aproveitar a alegria dos seus seis anos, fitou-me curiosamente e perguntou ao Anjo quem eu era. Ele sorriu, naquilo que me pareceu ser ternura, e disse:

            - Esta é a Joana, uma amiga minha. – fixou em mim os seus olhos hipnóticos – Joana, estes são os meus irmãos mais novos. O Marco, o Filipe e a Elisabete.

            A menina, a mais nova, afastou do rosto os rebeldes caracóis dourados e falou numa minúscula voz aguda e tímida.

            - És bonita. Casas com o meu irmão, casas? – olhou para o Anjo – Casas com ela?

            Sorri, sem saber o que lhe responder.

            - Bete, não sejas assim. – repreendeu-a o Anjo, sem realmente repreender – Ela não ia querer casar comigo.

            Não?, pensei.

 

publicado por Katerina K. às 21:23

Setembro 2009
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5

6
7
8
9
11
12

13
16

24
26

28


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

RSS
arquivos
mais sobre mim
pesquisar
 
favoritos

#5

blogs SAPO