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06
Set 09

            - E as regras?

            A pergunta tinha sido feita num timbre feminino, repleto de harmónicos e de vida. Núria, disse para mim mesma, saboreando a cor daquela voz. E tinha razão. Ouvi imediatamente os seus passos, aproximando-se de mim. Quando parou, o macio odor que os seus longos cabelos loiros exalavam acariciou-me as narinas. Ela atirou um largo sorriso na minha direcção, mostrando-se surpreendida pela minha presença. Levou as mãos aos bolsos do seu vaporoso vestido cor de pêssego e, quando se ia preparar para falar, foi interrompida pelo Anjo.

            - Não gosto de travar duelos limitado por regras. Pelo menos contra o Ricardo. – deu uma gargalhada seca.

            A Núria suspirou.

            - António, – foi estranho ouvi-la tratá-lo pelo primeiro nome – de quantos duelos foste desclassificado por não seguires as regras?

            - Demais. – a sua face não ostentava de novo nenhuma expressão em especial.

            - Bem me parecia. – replicou ela, impiedosa.

            O Ricardo já tinha retirado a máscara e passava furiosamente a mão direita pelo cabelo. O Anjo atirou o sabre para o chão e caminhou de encontro à irmã. Parou muito perto dela, inclinou-se para a beijar no rosto. Vi-me transportada para uma memória recente, uma memória que só a mim dizia respeito. A recordação agitou-se no meu íntimo e floresceu, a preto e branco. O David passava-me o seu comprido indicador pela linha da mandíbula, num gesto carinhoso, e os seus lábios fecharam-se sobre a pele da minha face. Fora um beijo de ternura e gratificação, como se me estivesse a agradecer por todos os segundos. Sorri, e abracei-o, do mesmo modo que me abraçaria a mesma.

            Uma voz.

            - Joana?

            Passei a língua pelos lábios.

            - Desculpa, Anjo. Estava a pensar.

            - Ainda bem. Julguei por momentos que estavas a ter um ataque de ausência.

            - Agora estou bem assente na terra.

            Pela primeira vez, senti o olhar pesado do Francisco pousado sobre mim. Era um olhar azul, bélico, que conseguia exercer um certo impacto à sua volta. Fitou-me de um modo que era impossível descrever. Reconheci curiosidade, confusão, timidez. Não passava de um menino, ainda. Vi que ele percebeu o que eu pensava, pois uma faísca de fúria libertou-se dos seus olhos e atravessou-me de um lado ao outro. Observei o chão, tentando redimir-me dos meus próprios pensamentos.

            Senti a mão gelada do Anjo no meu braço, a sugar-me o calor corporal, sem que chegasse a aquecer. Empurrou-me devagar para que o seguisse. Quis pegar-lhe na mão, mas fechei impulsivamente os dedos, lembrando-me que era melhor não o fazer. Uma vibração estranha atrás de mim disse-me que o Francisco tinha reparado na minha hesitação, e quando os nossos olhares se cruzaram fui submersa por um poder que me soterrou. Era perturbador um rapaz tão jovem ser capaz de ter dentro de si tamanha frieza.

publicado por Katerina K. às 12:38

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