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05
Set 09

            Ficaram ali, hirtos, firmes como mármore, todos os seus músculos contraídos na antecipação do ataque. Dei por mim com a respiração suspensa, enquanto mordia com força o lábio inferior. Não tardei muito a sentir um fino fio de sangue a correr-me até ao queixo. O Francisco estendeu-me um lenço, sem uma palavra nem um olhar. Aceitei e agradeci, levando o pano aos lábios. O meu sangue, rubro e quente, espalhou-se pelas fibras do tecido imaculado, formando uma mancha tosca e disforme na brancura que me acolhia a carne gretada. O Anjo continuava na mesma posição, mais imóvel que uma estátua. De súbito, um pequeno sorriso fulminante trespassou-lhe a expressão desafiadora e voltou a desaparecer. Soube que ele ia atacar. O seu forte braço lançou-se num impulso enérgico, fazendo o sabre voar à sua frente, dilacerando o ar com um silvo. O meu interior explodiu como fogo de artifício, mas não me movi nem um milímetro. Ao meu lado, o Francisco estava mergulhado no mais profundo espanto, os seus lábios entreabertos numa fenda achatada. A admiração pelos irmãos era clara e explícita, especialmente pelo Anjo. Percebi isso pela reverência com que obedecia às suas ordens, como o fitava com os olhos ligeiramente humedecidos e memorizava cada gesto seu. A pequena mão do Francisco contorcia as luvas brancas com determinação, mas inconscientemente. O Anjo lutava, e todo o seu movimento, mesmo sendo desprovido de qualquer tipo de fraternidade, transpirava sensualidade e magnificência. Encolhi-me, sentindo-me subitamente insignificante na sua avassaladora presença.

            O duelo a que presenciei foi intenso, quase apaixonado. O Ricardo era um magnífico esgrimista, mas o Anjo…o Anjo era excepcional – em todos os sentidos. Os seus movimentos tocavam o selvagem, conseguindo ser ao mesmo tempo elegantes. A maneira como ele se mexia era um tango, puro e cru. Durante todo o combate, o Anjo não derramou uma única gota de suor, nem mostrou qualquer sinal de cansaço, enquanto que o Ricardo já arquejava. No entanto, ele mantinha a sua postura, acabando por conseguir arrancar um dos botões da camisa do Anjo com a extremidade do sabre. O tecido negro descaiu bucolicamente para os lados, e pude reparar que o seu peito era tão incolor quanto o resto da sua pele, arranhando o limite da transparência. O Anjo ficou um momento silencioso, a fitar o próprio peito, como se estudasse a perfeição de cada poro, e depois levantou o olhar. Sorriu sem humor, mastigou uma palavra incompreensível, e preparou-se para desferir o último golpe sobre o irmão.

publicado por Katerina K. às 11:24

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