Sorri. O Anjo chegara. Tive a certeza quando ouvi a sua voz ecoar nos painéis do vestíbulo. Após uma curta troca de palavras com alguém que presumi ser o mordomo, o seu andar felino dirigiu-se ao escritório onde eu me encontrava. A porta abriu-se e o Anjo entrou no compartimento, com uma expressão ambígua estampada no belo rosto de marfim. Avançou naquilo que quase se poderia descrever como uma atitude furtiva e parou abruptamente a um metro de mim, inclinando a cabeça num movimento treinado e cortês.
- Bem-vinda ao meu humilde lar.
Humilde?! Quis rir-me, mas não o fiz.
- Obrigada, acho eu…
- Leste o meu bilhete, presumo.
- Li, mas foi por sorte. Se não fosse a mãe da Ariel, o teu papel tinha ido para a máquina de lavar a roupa, juntamente com só Deus sabe o quê.
Ele olhou-me, como se estivesse divertido.
- Agradece à senhora por mim, então.
Calei-me, observando como a sua presença eclipsava tudo em seu redor. Ele avançou na minha direcção e saudou-me com um beijo nas costas da mão. A habitual farripa de cabelo meio húmida deslizou-lhe pela testa e ficou suspensa na frente dos olhos. O Anjo falou, mas eu não estava a ouvi-lo.
- Hã? Desculpa, estava distraída.
- Eu disse que já tinhas tido o prazer de travar conhecimento com o Amadeu, o mordomo.
- Sim, sim, já. E outra mulher, também fardada de preto.
- A Graça. É uma das nossas empregadas.
Assenti, fazendo uma nota mental daquilo que ele tinha acabado de proferir.
- Este é o escritório do meu pai. – ouvi-o dizer, enquanto olhava através de mim – Quando era miúdo, eu costumava vir para aqui, e o meu pai não gostava. Ele sempre foi rígido com a sua privacidade. Mas como agora trabalha sempre na firma, podemos usar isto como biblioteca.
Observou vagamente o compartimento, como se se tivesse esquecido que eu ali estava. Percebi que ele estava a falar mais para si próprio do que para mim. Depois, torcendo os lábios num ténue sorriso, devolveu-me a sua atenção.
- Vem. Vou apresentar-te a minha família.
Virou-se rapidamente e quase voou para o vestíbulo, com a fralda da camisa preta a adejar atrás de si. Segui-o, tentando acompanhar o seu ritmo veloz. Atravessámos uma porta envidraçada que desembocava num estreito caminho de pedra ladeado por arbustos e árvores. Ao fundo, entre a vastíssima folhagem, eu conseguia ver um outro edifício, este branco e extremamente moderno. Parecia um pavilhão. Fitei o Anjo interrogativamente, mas ele limitou-se a devolver-me um olhar inexpressivo e continuou a andar.