Isabel levantou os pratos e colocou na mesa uma taça com fatias de ananás. No fim da sobremesa, serviu-se o café em pequenas chávenas frágeis.
Frederico estava do lado direito de Simão Pedro que, como o mais velho, se sentava no topo da mesa. Levando a chávena à boca, o violoncelista olhou o outro rapaz de soslaio e, enchendo o peito de ar, como que a ganhar coragem, perguntou:
- Simão, posso levar a Isabel comigo a Londres?
À volta da mesa houve todo o tipo de reacções àquela pergunta. Isabel saltou da cadeira, ficando de olhar brilhante fixo em Frederico, num misto de incredulidade e euforia. Mário soltou um «oh!» de surpresa. Alexandre sorriu. David franziu o sobrolho, sem saber o que dizer. Simão Pedro pousou a chávena com força no pires, respondendo:
- Não.
- Porque não? – indagou Isabel, agora de olhar abatido e suplicante.
- Tu, sozinha, em Londres? Não me parece.
- Ela não vai estar sozinha, vai estar comigo. – disse Frederico.
- Com o devido respeito, Medeiros, tu mal dás conta de ti, quanto mais dela!
Foi então que se levantou uma voz inesperada na seguinte frase:
- Eu vou com eles.
Todos os olhares se fixaram em David, que agora exibia um sorriso matreiro nos lábios. A situação era bem clara: David queria provocar Simão Pedro a todo o custo. Este último fitou-o, dizendo:
- Não respondo a provocações.
- Sou maior de idade, sei perfeitamente como cuidar de mim e da minha própria irmã.
- David, não.
- Porquê?
- Tu sabes bem porquê.
O rapaz baixou o olhar. Isabel sentou-se, triste e desanimada. Frederico suspirou, como se dissesse: «Bem, pelo menos tentei.»
- Eu, pessoalmente, não vejo mal nenhum em ele irem a Londres. Ia ser excelente em todos os sentidos. E o David tem razão, nem ele nem a Isabel são umas crianças.
Fora a voz de Alexandre Kerenkov que aparecera de modo a interceder por Frederico, David e Isabel.
- Ouve, Alex, tu és convidado aqui na minha casa. Aconselho-te a não me desautorizares.
- A casa não é tua, Simão. É minha. – disse Isabel, furiosa – O convidado aqui és tu.
- Tudo bem, façam como vos aprouver!
E, fechando a porta com uma força descomunal, Simão Pedro abandonou a sala de jantar. Os restantes ficaram em silêncio alguns momentos, até Isabel irromper em gargalhadas, exclamando:
- Vou a Londres!
Frederico sorriu e disse:
- Vou fazer um telefonema, já volto.
Quando deram as nove horas, Isabel subiu ao andar de cima, atravessou o corredor e entrou na saleta. Fechando a porta atrás de si, respirou fundo. Lá estava o piano um Yamaha velho que o pai comprara antes de ela nascer. Sentou-se no banquinho de madeira e começou a tocar Für Elise, de Beethoven. Lembrava-se vagamente de ver a mãe tocá-la, ou talvez isso fosse apenas uma fantasia. Na verdade, não se recordava da mãe, a sua imaginação fazia todo o trabalho, e também não sabia nada sobre ela. O pai nunca falava disso. Mas, depois da morte de Eduardo Carneiro, ou pelo menos do seu desaparecimento, as memórias da tal mulher que fora um dia mãe do seu filho e filha esfumaram-se num abismo. Sentia falta do pai e da mãe…
Isabel abanou a cabeça vigorosamente, não queria pensar nisso. Já ninguém falava do pai. Ou da mãe.