A mulher que abriu a porta parecia ter sido tirada de um filme de Hitchcock – uma empregada de aspecto imensamente vitoriano, envergando uma sóbria farda negra e com os cabelos envoltos numa touca tão branca quanto o seu avental.
- Posso ajudar? – a sua voz soou mecânica, mas não totalmente desagradável.
- Sim, sim, acho que sim. – balbuciei – Estou à procura do António Nuno de Júlio Oliveira.
Ela respondeu automaticamente, sem hesitar sequer um segundo.
- O menino António não está em casa. Saiu.
- Ah, que pena, precisava de falar com ele.
- Quer esperar ou prefere deixar recado?
Considerei as opções por um breve instante.
- Vou esperar.
- Muito bem, menina.
Ela afastou-se para me deixar passar e entrei na casa. O interior ainda conseguia ser mais estonteante que o exterior. O vestíbulo, ampla divisão de chão de mármore escuro, era revestido por painéis de madeira polida. Viam-se estátuas, pesadas tapeçarias, vasos de porcelana chinesa aureolados por arranjos florais onde se destacavam as orquídeas brancas e, pendurado no tecto ornamentado, existia um vasto candeeiro de cristal. Deixei-me ficar inerte, observando aquele cenário de rara beleza, rodeado por portas tão discretas que pareciam camufladas. Uma delas abriu-se e a empregada desapareceu no compartimento. Esperei que o vestíbulo ficasse em silêncio, mas não foi isso que aconteceu. Pairava no ar uma música leve, não mais que uma névoa, que reconheci imediatamente: a abertura de «A Flauta Mágica» de Mozart. Passado uns instantes, uma outra porta abriu-se e ouvi uma voz, encarquilhada mas firme, a encher o ar.
- Menina?
Levantei o olhar e vi um mordomo, magro e de cabelo branco, a dirigir-se na minha direcção. Também este estava fardado de preto, com as mãos enluvadas pendentes ao longo das pernas curtas. Os sapatos magnificamente engraxados embatiam no mármore com um clac clac característico.
- Pode fazer o favor de me seguir?
Assenti, caminhando no seu encalço. Ele conduziu-me àquilo que parecia ser um escritório. As paredes, forradas até ao topo por estantes, estavam repletas de livros do mais diverso tipo. O chão era coberto por um tapete de Arraiolos com um desenho complexo, sobre o qual se encontravam dispostos três cadeirões em frente à lareira. No outro extremo do compartimento, existia uma secretária monumental, revestida por papéis e documentos meticulosamente organizados. O mordomo, com uma vénia, deixou-me sozinha na sala, entregue ao silêncio e ao cheiro ténue do papel e da madeira.