Olhei-o, perplexa.
- Irmãos? Como é que isso é possível?
O David fitou-me, como se já esperasse aquela reacção da minha parte.
- Genética não é, definitivamente, o meu forte. – respondeu – Ele é o único na família assim. Deve ter ido buscar os genes a uma avó ancestral qualquer. – Encolheu os ombros.
- Mas ele é tão…tão pálido.
O David observou-me de lado, de uma maneira especialmente astuta.
- Tem um certo charme, não tem? A forma como ele sorri, como ele olha para as pessoas…e, principalmente, como fala.
Lembrei-me da sua voz adocicada, elegante, das palavras formais que se desenrolavam através daqueles lábios sem cor.
- Isso é o que mais me arrepia. Não é aquela voz de cobra, é antes como passar a mão por penas.
- Bela comparação. – mordeu o David, baixando os olhos.
- Não gozes. – belisquei-o perto do pulso.
- Au! Não estou a gozar!
- Sim, pois! Seja como for, estou cheia de sono. Já me basta de sustos por hoje. Bonne nuit.
Apaguei a televisão e virei-me para o outro lado, de costas viradas para ele, cobrindo-me com o lençol. Pouco depois, ele deitou-se ao meu lado e o silêncio abateu-se sobre o quarto.
Nem tinham passado dez minutos quando falei.
- David?
- Sim?
- Não estás a dormir, pois não?
- Pergunta escusada.
Senti-o a estender o braço na minha direcção. Ele havia percebido o que eu queria. Mexi-me, de modo a ficar deitada no ombro dele, com o seu braço a envolver-me as costas. Instalei-me confortavelmente nele, vendo que estava quente como um pedaço de carvão na fornalha.
- Agora, sim. Boa noite.
- Boa noite. – respondi.
Nesse momento, eu quase que podia jurar que tinha ouvido uma outra voz, murmurante e hipnótica, a desejar boa noite. Mas, provavelmente, fora só impressão minha.