A Pensão D. Henrique situava-se mesmo no centro da vila. Era um edifício branco de dois andares, agradável, que se erguia mesmo em frente à praceta. Tinha um aspecto sólido e seguro mas também acolhedor e ligeiramente vitoriano.
Eram oito horas, um jovem alto e bem parecido mas de cabelo um algo desgrenhado saía da Pensão. Vestia roupa um nada assimétrica e colorida, à excepção de um casaco azul escuro que levava pendurado no braço. O rapaz possuía olhos pequenos e ligeiramente encovados, emoldurados por olheiras não muito recentes, mas em si eram uns olhos bonitos, cor de chocolate negro. Transportava um sorriso infantil nos lábios que lhe assentava particularmente bem no semblante pálido mas jovial. Os dois anos que passara em Londres haviam-no tornado numa pessoa de aspecto vagamente doentio, mas estar de volta aos Açores fazia-lhe bem - a paisagem, o ar puro, até mesmo as pessoas.
Frederico Medeiros descia a rua de mãos nos bolsos. Se soubesse assobiar, assobiaria. Mas essa era só uma das várias coisas que não sabia fazer. Assobiar, estalar os dedos, nadar. No entanto, tencionava aprender tudo isso. Até aí nunca sentira necessidade. Passava dias no estúdio do pequeno apartamento londrino que alugara a estudar violoncelo. Quando não estava em casa, encontrava-se na Escola e praticava, praticava, em busca da perfeição. Raras eram as vezes que não a encontrava, mas ultimamente essas raras tornavam-se cada vez mais frequentes. Então, necessitando de uma mudança de ares e, talvez, de inspiração, voltara à terra Natal.
Fora com bastante alegria que encontrara Isabel Carneiro, a menina que ensinara a tocar piano. Ainda continuava igual, sim, as feições selvagens e indomáveis, que se desenhavam no rosto bonito e moreno não tinham mudado.
- Bela. - dissera.
Ela virara-se, um pouco confusa, como se reconhecesse a voz mas mesmo assim não quisesse acreditar.
- Voltaste, Medeiros. - respondeu a rapariga, soltando de seguida uma gargalhada ventosa e ligeiramente forçada.
A casa dos Carneiros já se via ao fundo, mesmo junto ao mar. O edifício era construído mesmo junto ao penhasco. Em baixo, o oceano beijava a enseada.
Recordava-se que fora aí, um certo Verão, que Simão Pedro dissera:
- Vou dar-te um violoncelo.
- Não.
- Quando realmente tiver a certeza que o vais usar da melhor maneira eu vou dar-te um.
Frederico olhara-o lancinantemente, com uma expressão zangada.
- Não preciso da tua caridade.
- Nem eu da tua autoização.
O violoncelista deu por si com a mão no batente da porta da casa. Pouco depois, ouviram-se uns passos leves e saltitantes, e esta abriu-se. Isabel sorria como se tivesse o sol nos lábios.
- Ainda bem que vieste, estávamos à tua espera.
Até ao próximo post,
J.F.