Quando acordei, ele estava encostado à janela a fumar lentamente um Marlboro. Contra a claridade, ele era só uma sombra negra e disforme, hirta e fria como a manhã que nascia atrás dos prédios com um laivo branco de luz. Eu sabia que ele estava a falar consigo mesmo; soltava o fumo pelo nariz e saboreava a nicotina de forma tão lânguida que se tornava imperceptível. Tinha vestido as calças e apertado o cinto, mas o peito moreno continuava a formar texturas doces com a luz. Depois do silêncio, ele começou a falar comigo com os olhos. Fez o indicador deslizar calmamente sobre a superfície branca do cigarro e passou a língua pela sua extremidade. Atirou a cinza para a varanda; tossiu roucamente. Uma pomba gorda roçou na janela e deixou penas pelo caminho.
Há leite?, perguntou ele.
Não sei, respondi, Acho que no frigorífico há ainda uma garrafa.
Ele apagou o cigarro no cinzeiro e arrastou os pés pela carpete.
Maldita úlcera.
Ele resmungava muito consigo mesmo, com quem ele nunca tinha conhecido e com as pessoas que já tinham morrido. Quando vinha ter comigo, eu sabia que ele conhecia toda a gente e que estavam todos vivos; e que ele já não sabia quem era. Eu abraçava-o e dizia que ele era o homem que fazia coisas.
Eu não faço; desfaço.
Eu assentia e beijava-o.
De manhã, ele já sabia de novo quem era; fumava dois cigarros e bebia leite por causa da úlcera, chateava-se por não gostar dos lençóis. Dizia que eu parecia mais alta se usasse o vestido que a minha irmã me tinha dado e pedia para eu o ajudar a apertar os botões da camisa.
Como está o teu irmão?, perguntei.
Ele acendeu o segundo cigarro.
Na mesma, acho eu. No seu canto, onde não chateia ninguém.
Não devias ser assim com ele.
E tu não te devias meter nos assuntos dos outros.
Bateu com a porta do frigorífico e deu um pontapé na cómoda.
Aperta-me a camisa, pediu.