BLOG FECHADO

06
Jan 10

 

            Aquela manhã, clara e quente, havia nascido sobre o Rio de Janeiro como se fosse a primeira vez que o fizesse. A cidade refulgia orgulhosa com o brilho do oceano, o qual, beijando o litoral delicadamente, se estendia até se fundir com o horizonte. Pela ampla janela da varanda, entrava uma luz dourada e viva que extinguia as sombras e a escuridão latente da noite. No quarto, o silêncio era rei.

            Valancy Akren abriu os olhos. A claridade matinal rasou-lhe os membros, semi-cobertos pelos lençóis tom de pêssego. Levantou os braços e atirou para trás os longos cabelos cor de fogo, que se espalharam pela almofada macia como um mar cálido e melancólico. Bocejou demoradamente, atirando os braços nus ao ar como se fosse agarrar alguma coisa pendente sobre a sua cabeça mas que era invisível. Fixou os olhos azuis e marmóreos no tecto, os quais se encontravam estrategicamente colocados sobre as morenas e coradas maçãs do rosto. Espalhado sobre o nariz, um pequeno conjunto de sardas bailava-lhe sobre a pele. Valancy Akren fez a cabeça deslizar na almofada, pendendo para a esquerda. Sobre a mesa-de-cabeceira, uma caixa rectangular de veludo negro parecia ainda dormir no seu local de repouso. Valancy estendeu o braço na direcção da caixa e os seus dedos longos roçaram a superfície macia do tecido, deslizando até ao pequeno trinco prateado. Este abriu-se com um clic, e um diamante translúcido resplandeceu na claridade. A mulher ergueu-o à altura dos olhos e viu os feixes de cor que se soltavam dele quando a luz o atravessava. Nebulosa era, definitivamente, um diamante belíssimo. Quando vendera os outros da sua pequena colecção, aquele fora o único do qual não se conseguira separar. Porque era tão espectacularmente belo.

            - Val, já estás acordada? – a voz de Elijah encheu o quarto, vinda da casa de banho.

            - Sim. – respondeu ela, sentando-se na cama.

            Elijah Ryder assomou no umbral, com os cabelos negros a pingar sobre o nariz adunco e sobre os fortes ombros. Um par de olhos verdes bruxuleou na compleição bronzeada do seu rosto. Passou os dedos compridos pelo cabelo molhado e agitou a cabeça como se fosse um cão, criando uma chuva de pequenas gotas de água perfumada.

            - Pára com isso, Eli, estás a molhar tudo.

            Ele riu-se de forma irreverente e revirou os olhos.

            - Não estou nada.

            Elijah podia não ser perfeito, mas era aquilo mais parecido com um amigo que Valancy alguma vez iria ter na vida. Sem ele, não teria sido capaz de executar todos aqueles pequenos deliciosos roubos que haviam feito dela uma mulher rica. A verdade é que Elijah sempre fora terrivelmente inteligente, mas não mais que ela. Sorriu. No entanto, ele sempre fora peça essencial, pois dominava os detalhes como se se alimentasse deles.

            O homem pigarreou e saiu da casa de banho com uma toalha a envolver-lhe a cintura. Os seus poderosos músculos brilharam como se estivessem cobertos por uma camada de óleo escorregadio. Estendeu-se na cama, ao lado de Valancy, recostando-se confortavelmente em duas almofadas que dispôs por baixo da cabeça. Ela pousou o diamante na caixa, entre os braços do tecido azul-escuro reluzente, e fechou calmamente a tampa.

            - Liga a televisão, Val.

            O barulho proveniente do aparelho não tardou a encher o quarto num burburinho grave. Valancy, apesar de não ser perita, sabia falar português bastante bem, tal como Elijah. Aprendera sozinha assim que teve a ideia de se estabelecer no Rio de Janeiro. O facto de conhecer a língua facilitava muitas das actividades do dia-a-dia, uma dais quais sendo ver televisão. No entanto, foi com surpresa que viu, nas notícias da manhã, a imagem da sua cidade natal: Los Angeles. As palmeiras agitavam as suas tranças verdes que nasciam do corpo em forma de totem. Valancy aumentou o volume para poder ouvir o que a jornalista dizia.

            - …Assim, as autoridades estão correntemente a investigar o roubo do famoso diamante Brilho do Pacífico, pertencente ao popular coleccionador Jonathan Steel. Este é o terceiro assalto a coleccionadores de jóias este mês a ter lugar nos Estados Unidos da América. Todos os crimes parecem ter sido cometidos pela mesma pessoa ou pelo mesmo grupo. Este caso está de momento nas mãos do FBI. O Agente Especial Aldous McBee, encarregado das operações, abstém-se de comentários, mas garante que tem todos os instrumentos para que justiça seja feita e os diamantes devolvidos aos seus legítimos donos.

            Elijah sentou-se sobre os lençóis, com os lábios ligeiramente entreabertos a formar uma fenda oval, como se não acreditasse naquilo que tinha acabado de ouvir. O Brilho do Pacífico era, deveras, um diamante imponente e raro, devido às suas pouco habituais dimensões e cor. Não era uma pedra que se usasse discretamente ao pescoço e que passasse despercebida. Aquela tratava-se de uma pedra negra, lapidada em pêra, com classificação de IF – a máxima que se podia atribuir a um diamante. Magnífico, verdadeiramente magnífico.

            Valancy manteve-se imóvel, a sorrir com os olhos.

            - Interessante, muito interessante.

publicado por Katerina K. às 19:42

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