BLOG FECHADO

20
Set 09

            Acordei com a sensação de que tinha dormido demais. A cama era incrivelmente confortável, os lençóis macios e cheirosos. Virei-me no leito várias vezes, apenas para ter a sensação do tecido a roçar-me nos braços nus e nas pernas. Parei por um momento, a olhar o tecto da cama de dossel. A noite passada estava surpreendentemente fresca na minha memória, e o sabor dele mantinha-se nos meus lábios.

            A luz matinal, tingida de ouro, entrava corajosamente pela janela em largos e numerosos feixes radiosos, nos quais brilhavam grãos de pó, voando no ar morno do quarto. Chegava-me aos ouvidos o barulho do mar, a ronronar sensualmente. O céu era uma incrível mancha turquesa, que me lembrava o papel de embrulho que eu havia usado para empacotar a prenda de Natal do David. Sentei-me na cama, abri as cortinas com ambas as mãos e icei-me teatralmente para fora da cama. Em cima de um dos cadeirões eu conseguia ver uma muda de roupa que, obviamente, não era minha. Sobre a pequena torre de vestuário, estava pousado um diminuto papel cor de amêndoa, escrito na mesma caligrafia perfeitamente desenhada que eu reconhecia do bilhete que tinha recebido anteriormente.

 

Joana,

Deixei-te uma muda de roupa lavada. Deve servir-te. Se não for o caso, fala com a Núria, tenho a certeza que ela te pode dar uma ajuda com isso.

E bom dia.

- Anjo

 

            Fechei-o lentamente, sorrindo.

 

            O quarto encontrava-se mergulhado no mais absoluto silêncio. Quando desci as escadas, ainda descalça, encontrei a Núria sentada à mesa da cozinha, a mexer em círculos uma colher de prata dentro de uma caneca cheia de um cheiroso líquido ambarino. Quando reparou na minha presença, levantou a cabeça e sorriu, saudando-me com um melodioso Bom Dia.

            - O António? – perguntei, tentando disfarçar uma certa tremura na voz.

            - Está no estúdio, ali à esquerda.

            - Obrigada.

            Ouvi imediatamente o som do piano. Mais uma vez, Rachmaninov enchia o ambiente num ritmo gradual e meloso, numa mistura de graves que me causou um arrepio na espinha. Abri a porta, e a luz aventurou-se no negrume do estúdio. Lá estava o Anjo, em frente ao seu Fazioli de concerto, com as brancas mãos a deslizar no teclado, exactamente como da primeira vez que eu o vira. Num rápido movimento felino, acercou-se de mim, passou-me o indicador esguio pela mandíbula, e, extremamente baixo, disse:

            - Afinal, as roupas serviram-te.

            Ri-me, tão verdadeira e sinceramente que me surpreendi a mim própria. Quando ele se voltou a sentar ao piano e eu me inclinei sobre a tampa, para sentir a revibração das cordas na ponta dos dedos, reparei de novo nos fogosos olhos azuis, na fresta da porta, a observarem-nos. Eu sabia, sempre soube, a quem pertenciam. Fixei-os com os meus, numa troca de olhares tão intensa que podia doer ao observador casual. Passado uns segundos, desapareceram. O coração caiu-me aos pés, e ficou um buraco gelado no meu peito.

            Ouvi o Anjo falar, harmoniosamente, mas já com um pingo mínimo de tristeza.

            - Quando ele me quiser enfrentar, vou estar à espera dele.

 

FIM

 

***

 

E este é o fim de Brisa Marítima.

Aproveito para anunciar que vou lançar uma nova história, num formato ligeiramente diferente. A história chama-se «Xadrez», e nela recupero personagens que alguns de vocês podem reconhecer, pois pertencem a uma história antiga da minha autoria. Deixo-vos a sinopse, para aguçar a curiosidade:

Daniel King, antigo aluno do Instituto Hills, muda-se para Nova Iorque com o irmão para estudar na Juilliard, acompanhando o seu melhor amigo, Jesse Stone.

Violet Simmons, jovem virtuosa do violino, vive com a mãe e o padrasto em Chicago, de modo a poder continuar a estudar com Bill Owen, o seu antigo professor.

Edward Cole, em Kiev, prepara uma série de concertos pela Europa, após sagrar-se o mais jovem vencedor de sempre do concurso Chopin.

Estes quatro músicos, separados três anos antes pelas suas escolhas de futuro, são supreendidos por uma carta de Paris, que os leva a reencontrarem-se no local onde estiveram juntos pela última vez. Deparam-se com uma história do passado que julgavam já ter sido esquecida e que pode mudar o curso das suas vidas para sempre.

publicado por Katerina K. às 14:01

Lamento, nesse caso.

Como é a tua relação com o David? Que idade tens, mesmo?
Filipa a 20 de Setembro de 2009 às 19:37

Oh, obrigada!
E que bom que vais postar uma história nova... espero poder acompanhar desde o início, porque a tua escrita é maravilhosa :) e gostei do resumo!
beijinhos.*
Eloise a 20 de Setembro de 2009 às 19:41

Acho a vossa relação tão interessante. Para além de que acho que vocês funcionariam bem como casal. E o meu coração acelerou quando li aquela cena em que tu te deitas sob o braço dele, partilhando a sua cama. É fofo *-*
Filipa a 20 de Setembro de 2009 às 19:42

Que querido *-*

Olha, ele não gosta de ti? Assim ... tu sabes... de uma maneira mais romântica.
Filipa a 20 de Setembro de 2009 às 19:49

Pois :S

Eu adoro a vossa relação, ou pelo menos o que li acerca dela, mas talvez tenhas razão.
Filipa a 20 de Setembro de 2009 às 19:56

Quem me dera ter uma pessoa assim, também. Os meus amigos do sexo masculino não são muito ligados a mim, mas talvez seja da idade (tenho 13 anos, quase catorze). E as raparigas, bem acho que só tenho 1 amiga verdadeira.
Filipa a 20 de Setembro de 2009 às 20:01

Bem, eu também quero conhecer um, então. :-)
Filipa a 20 de Setembro de 2009 às 20:06

ahah :p
boa sorte para as aulinhas de amanhã, oh xD
inês. a 20 de Setembro de 2009 às 20:07

Flautista, msn, não? ... :$
inês. a 20 de Setembro de 2009 às 20:20

Claro. :-) Espero também encontrar. Sabes, tenho-me desiludido muito em termos de amizade. Só tenho uma amiga com quem posso contar, mas nunca tive ninguém com quem partilhar tudo, assim como tu e o David.

Além de que sou muito tímida. Nunca conseguirei.
Filipa a 20 de Setembro de 2009 às 21:22

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