Para o Caravagio, com a minha admiração.
- Que madrugadores! – disse o David, quase gritando.
O Anjo riu-se, deixando a sua gargalhada profunda e galante dispersar-se pelo ar saturado e quente.
- Acordar antes das onze da manhã não faz com que uma pessoa seja madrugadora.
- Não?
- Não me parece.
Sorri interiormente, com a leve sensação de que o David ficara envergonhado com aquela troca de palavras.
- Está bem, está bem. – disse, carrancudo – Quando voltas para Sintra?
- Agora.
Levantei o olhar para o rosto do Anjo.
- Tão cedo? – perguntou o David.
- Só vim cá dizer-te olá e trazer a minha irmã, não queria que ela viesse sozinha. Agora, está na hora de voltar para casa. Tenho outros quatro irmãos para tomar conta.
- A Núria já é crescidinha.
- Bem sei, mas mesmo assim gosto de tomar conta dela. A Núria é a mais velha, e eu o mais responsável.
A conversa não durou muito mais tempo. Uns minutos depois, já estávamos no portão, a despedirmo-nos dele.
O Anjo abraçou o David, dizendo-lhe qualquer coisa imperceptível ao ouvido. Acabando de se despedir do David, o Anjo pegou na minha mão e levou-a aos lábios, tal como na noite anterior. Mas desta vez, para além de ter sido um beijo frio, fora um beijo com uma intensidade completamente diferente. Beijou-me a mão com o mesmo fogo de como se me estivesse a beijar na boca. Fiquei surpresa, surpresa o suficiente para só reagir quando o Mercedes prateado desaparecia no horizonte da rua estreita e o som do motor se desvanecia com a distância, cada vez maior.