- Anjo? – soltei, num arquejo.
Ergui os olhos para ele. A pele tão branca, os olhos prateados ardendo nas órbitas marmóreas, o cabelo negro como um corvo húmido da chuva. Anjo. Anjo, deveras.
- Sim. – respondeu ele – Odeio o meu nome, tive de arranjar maneira de o tornar mais agradável. Assim, se tomares a primeira letra de cada nome meu, tens…
- Anjo.
- Exactamente.
Era uma alcunha inteligente, e diabolicamente apropriada.
Ele estendeu a mão e, ao apertá-la, constatei que a sua pele era fria como pedra. Quando levou as costas da minha mão aos lábios, estes queimaram-me de tão gelados que se encontravam. Encolhi-me o suficiente para o David perceber que eu não me sentia confortável nas redondezas do Anjo. Pondo um braço à volta dos meus ombros, disse:
- Bem, vamos subir. Foi um prazer ver-te, Anjo. Quando estiveres por perto outra vez, apita.
Apresentando um sorriso torcido, acenei timidamente. Virámo-nos e começámos a atravessar o corredor desprovido de luz.
- Oh, - proferiu o Anjo – eu vou estar por perto.
E fechou a porta nas nossas costas, sendo a última coisa que vi o seu magnífico olho feito de nevoeiro.
A maneira como ele dissera aquela frase deixara-me ligeiramente receosa. Consegui manter-me em silêncio apenas até ter a certeza que ele já não nos conseguia ouvir.
- David, - murmurei – ele é assustador.
- O Anjo?
- Quem mais podia ser?
- Ele é assim, estranho. Mas não é má pessoa.
- Nunca disse que era má pessoa.
O David não respondeu. Dei por mim a subir as escadas que nos conduziam ao primeiro andar. Também este se encontrava preenchido pela mais plena escuridão. Eu sabia de cor como chegar ao quarto do David: quinze passos em frente, cinco à direita, um à esquerda. Ele abriu a porta e estendeu o braço para o interruptor. A luz ofuscou-me os olhos, já habituados ao escuro, e tudo me pareceu incrivelmente branco.